FUNDAMENTOS PARA INTERPRETAÇÃO E MAPEAMENTO DE GEOSSISTEMAS A PARTIR DO RELEVO: ABORDAGEM SEGUNDO A ESCOLA RUSSA

Autores

Marques Neto, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)

Resumo

O estudo dos geossistemas tem como referência fundamental as abordagens propugnadas pela Escola Russo/Soviética, a partir das formulações de Sochava,e apresenta perspectivas de aplicação deveras auspiciosas. O presente trabalho tem por objetivo apresentar resultados da classificação e mapeamento de geossistemas em perspectiva regional, tomando como base de aplicação da bacia do Rio Lambari, posicionada em terrenos da Serra da Mantiqueira e Planalto do Alto Rio Grande, sudeste do Brasil.

Palavras chaves

Geossistema; Geômeros; Geócoros

Introdução

A concepção geossistêmica teve seu surgimento na antiga União Soviética a partir dos passos cognitivos de Viktor Sochava dados na década de 1960, fortemente inspirado em estudos integrados da paisagem precedentes, como aqueles propugnados pelo pedólogo V. Dokoutchaev e pelas reflexões de L. S. Berg, para citar as influências mais marcantes. As formulações emitidas por Sochava (1971, 1977, 1978, 1978a) formatavam a concepção acerca dos geossistemas em perspectiva multiescalar, dos níveis locais (topológicos) aos níveis globais (planetários), perpassando ainda a escala de grandeza regional. Outrossim, os geossistemas se manifestam, à luz das ideias do eminente geógrafo russo, segundo um princípio bilateral de classificação que coaduna as integridades homogêneas (geômeros) e heterogêneas (geócoros) na organização do espaço geográfico. Doravante, uma série de comunicações e pesquisas foram desenvolvidas em consonância à concepção geossistêmica propugnada por Viktor Sochava, tanto em âmbito internacional (SOCHAVA, 1971, 1977, 1978, 1978a; SOCHAVA et al. 1975; SAUSHKIN e SMIRNOV, 1968; YEFREMOV, 1969; PLAKHOTNIK, 1973; DEMEK, 1978; HAASE, 1989; GANZEI, 2008; ABALAKOV e SEDYKH, 2010), bem como na pesquisa nacional (CAVALCANTI et al. 2010; MARQUES NETO, 2012; OLIVEIRA, 2013). O presente paper assume por incumbência divulgar adaptações deste sistema metodológico para regiões geomorfológicas posicionadas nos terrenos cristalinos do Brasil Oriental, especificamente a Serra da Mantiqueira e o Planalto do Alto Rio Grande, partindo da hipótese de que em regiões de topografia acidentada, com significativo componente tectônico em sua evolução morfológica, o relevo pode ser tomado como variável fundamental na interpretação, delimitação e mapeamento dos geossistemas. Foi tomada como base empírica a bacia do rio Lambari, capitaneada pelo principal afluente da margem esquerda do Rio Verde (figura 1), que disseca terrenos pertencentes aos dois compartimentos geomorfológicos supramencionados, para a qual foi realizado um mapeamento em escala de 1/250.000, reveladora das manifestações geossistêmicas em escala regional.

Material e métodos

A classificação e representação dos geossistemas foram ações que se deram mediante a seleção dos seguintes descritores: relevo; vegetação; solo e textura predominante; uso da terra, procedendo-se as seguintes etapas: 1.Compartimentação geomorfológica, segundo os padrões de formas semelhantes (TRICART, 1965; ROSS, 1992); 2. Extração dos lineamentos a partir de imagem SRTM em ArcGIS; 3. Análise textural e identificação dos principais tipos de solos; 4. Classificação de imagens de satélite para o uso da terra; 5. Elaboração de perfis geoambientais; 6. Determinação do conteúdo da legenda; 7. Extração de overlays para visualização integrada dos atributos; 8. Caracterização das unidades geossistêmicas. A rede hidrográfica foi sobreposta à imagem de radar para extração dos principais lineamentos estruturais, interpretados em consideração a alinhamentos da drenagem e do relevo na escala de 1/250.000. A orientação foi representada em roseta com intervalos angulares de 10°. A classificação do uso da terra se deu em imagem CBERS 2B sensor CDD (composição colorida das bandas 342) pelo método da Máxima Verossimilhança, lançando mão do aplicativo SPRING 5.1.4. Foram amostrados os temas mais marcantes: pastagem, café, reflorestamento, áreas florestadas, campos naturais, áreas urbanas e outros. A escala de mapeamento dos geossistemas também foi de 1/250.000, e teve nos tipos de relevo a principal referência. Sobre o mapa de compartimentação geomorfológica foram plotados os solos identificados e os pontos de coleta para análise textural, sobrepondo-se posteriormente a vegetação e uso da terra, além dos lineamentos para o estabelecimento de relações com o quadro tectônico. Procedeu-se em seguida na delimitação dos geossistemas a partir dos padrões materializados com a conexão entre as estruturas naturais e antrópicas, mantendo coerência com Sochava ao considerar o geossistema como um sistema natural que estabelece conexões com a esfera socioeconômica.

Resultado e discussão

No processo de mapeamento de geossistemas em escala regional, o macrogeócoro é o nível taxonômico de referência que eclode. Materializado a partir do agrupamento de classes de fácies, tal ordem de grandeza expressa de forma eloquente a manifestação regional dos processos e feições espaciais compondo uma unidade de mapeamento. Resultam da interpretação levada a efeito os geossistemas representados na figura 2, que consiste em um documento cartográfico taxo-corológico que congrega em duas fileiras indivíduos (geócoros) e categorias (geômeros). Os geossistemas discernidos adéquam-se à ordem de grandeza pertencente ao geoma/macrogeócoro, e se distribuem além dos domínios da bacia do Rio Lambari em outras classes de fácies, como pode ser averiguado em Marques Neto (2012). Manifestam-se na área de estudo quatro unidades de expressão regional que somam, conjuntamente, dez classes de fácies compondo as unidades superiores dos níveis topológicos, e que se agrupam no geoma/macrogeócoro a definir as paisagens regionais. O Geossistema da Alta Mantiqueira se refere aos níveis de cimeira regionais, ou degrau superior, conforme designado por Saad (1991). Na bacia do Rio Lambari é definido por zonas de cisalhamento que definem um compartimento de serras alongadas e escarpadas e outro mais baixo caracterizado por morros profundamente dissecados, aproveitados para a bananicultura em consórcio com o café, uma vez que as baixas temperaturas dos níveis mais elevados inviabilizam a produtividade da banana. São comuns manifestações erosivas vinculadas ao pisoteio do gado, bem como alguns escorregamentos rotacionais e translacionais em função das altas declividades. A Serra da Mantiqueira apresenta em sua porção interior um compartimento morfoestrutural que define o aqui designado Geossistema dos Patamares Escalonados da Mantiqueira, geomorfologicamente caracterizado por serras mais baixas e morros e morrotes heterogeneamente dissecados em litologias gnáissico-granítico migmatíticas, que engendra uma mamelonização mais bem marcada no relevo. Fica explícito pela nomenclatura das classes de fácies o predomínio da cafeicultura e da pecuária como uso da terra na região. Em consequência a sistemas de plantio de café em sistema “morro abaixo” e ao pastoreio em zonas interfluviais depauperadas em suas áreas de preservação permanente nos topos, se fazem comuns os focos de erosão laminar e concentrada em pequenas ravinas. O Geossistema dos Planaltos Escalonados do Alto Rio Grande estabelecem contato tectônico com a Serra da Mantiqueira, dando margem a um compartimento mais rebaixado, pronunciadamente mamelonar, com densidade de drenagem e profundidade de dissecação mais branda em relação a Serra da Mantiqueira, região de relevos eminentemente tectônicos que dão passagem a modelados mais profundamente intemperizados e erosivos no Planalto do Alto Rio Grande. A legenda das classes de fácies revela que o uso da terra no meio rural não é muito diversificado, denotando alguma homogeneidade nas atividades econômicas centrada na cafeicultura e pecuária, rompida com algum plantio de milho (fundamentalmente voltado para o apascentamento do gado), e pelo cultivo de citrus no município de Cambuquira. São áreas de solo mais profundo, com ocorrência conspícua de Latossolos e solos com horizonte B textural nas médias e baixas encostas. Padrões litológicos comandados por gnaisses migmatizados ou não engendram coberturas de alteração argilosas caulinítica a gibsítica, que embora atacadas por erosão laminar não desencadeiam voçorocamentos. Por último, o Geossistema das Cristas Monoclinais perfaz uma estrutura gnáissica, designada como Serra das Águas pela toponímia regional, que embora resguarde importante corredor de vegetação suas fisionomias florestais, fundamentais para a prevenção de processos agudos de movimentos de massa pelas íngremes vertentes escarpadas, sofrem pressão em função do avanço da pastagem e da cafeicultura em direção aos patamares mais elevados. Outro ramo é composto pelas cristas quartzíticas, que na bacia do Rio Lambari diferencia duas classes de fácies que se diferenciam pelo uso da terra, uma vez que as associações vegetais nativas se referem a campos rupestres de altitude em quartzito, fisionomia sui generis que medra sobre os biótopos definidos nessas litologias supracrustais. O acamamento plano-paralelo ocorrente nos ganisses da Serra das Águas, e que nos quartzitos é proeminente, define considerável recorrência no processo de queda de blocos, favorecidos pelos desplacamentos que se aproveitam desses elementos planares da estrutura.

Bacia do Rio Lambari (MG)

Localização da área de estudo a partir da bacia do Rio Verde, setor meridional de Minas Gerais.

Geossistemas na bacia do Rio Lambari

Espacialização dos geossistemas (macrogeócoros) na área de estudo.

Conclusões

Os macrogeócoros constituem um nível taxonômico fundamental para as propostas de mapeamento taxo-corológico, e marcam a passagem dos níveis topológicos para os regionais. Em regiões de relevo acidentado que coadunam componentes morfoestruturais e morfotectônicos, verifica-se uma forte consonância entre os macrogeócoros e os compartimentos geomorfológicos. Na bacia do Rio Lambari tal fato é verificável pela correspondência entre unidades geossistêmicas regionais e compartimentos morfoestruturais, como os das Cristas Monoclinais, da Alta Mantiqueira e dos Patamares Escalonados da Mantiqueira. Destacamos também a tectônica ativa atuando na evolução da paisagem. Embora a configuração dos geossistemas guarde forte sobreposição com os grandes compartimentos morfoestruturais, mantendo, em parte, a própria direção das estruturas inerentes ao rifte continental, os efeitos deformacionais neotectônicos afetam o relevo e a drenagem, sinalizando o caráter morfotectônico afetando estruturas antigas.

Agradecimentos

Referências

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