O relevo como fundamento de classificação e mapeamento de Geossistemas: Aplicações na Bacia do Ribeirão Água Preta (Aiuruoca, MG).

Autores

Dias, J.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Caon, G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Marques Neto, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Heider, C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo empreender a interpretação, classificação e mapeamento dos geossistemas na bacia hidrográfica do ribeirão Água Preta (Aiuruoca, MG), localizada na porção mineira da Mantiqueira Meridional. A concepção abordada foi aquela oriunda da Escola Russo/Soviética, firmada a partir das formulações de Sochava, e se pautou no mapeamento de grupos de fácies, se posicionando nos níveis topológicos e adotando o princípio bilateral de classificação.

Palavras chaves

Geossistema; Grupo de fácies; Bacia do Ribeirão Água Pr

Introdução

Os estudos dos geossistemas, elucidados a partir da concepção sistêmica, propugnada por L.V. Bertalanffy em 1937 (BERTALANFFY, 1973), tem sido evidenciados a partir das pesquisas pioneiras de Sochava na década de 1960, onde o referido autor procurou estabelecer uma síntese naturalista a partir das relações entre os aspectos do meio físico e suas interações com o potencial biológico e a ação humana. Tais abordagens foram divulgadas na geografia brasileira (SOCHAVA, 1971, 1977, 1978), exercendo importante influência. Segundo tal perspectiva, o estudo da paisagem pode apresentar uma série de conexões distintas, que devem ser priorizadas em relação a seus atributos formadores, ou seja, os fluxos de matéria e energia constituem o cerne fundamental dos estudos da paisagem por meio da concepção geossistêmica. De acordo com o autor (SOCHAVA, 1978) é necessário estudar, além dos componentes da natureza, as conexões estabelecidas entre eles, no intuito de transgredir aos aspectos estáticos inerentes à morfologia da paisagem e atingir uma abstração acerca de seu funcionamento dinâmico. Segundo Gregory (1992), a concepção sistêmica foi introduzida na Geomorfologia a partir das comunicações de Chorley (1971) e Chorley & Kennedy (1971), dando tônica própria ao contexto anglo-americano de pensamento geomorfológico, bastante pautado no estabelecimento de modelos matemáticos e nas análises morfométricas. O presente paper tem por objetivo estudar os geossistemas existentes na bacia do Ribeirão Água Preta (Aiuruoca, MG), que drena terrenos acidentados em relevo eminentemente tectônico posicionado nas faixas remobilizadas da Serra da Mantiqueira, em segmento adequado pelo Projeto RADAMBRASIL (1983) na chamada Mantiqueira Meridional, balizada no contexto em apreço por gnaisses e migmatitos, fundamentalmente. Adotou-se o princípio bilateral de classificação proposto por Sochava (op cit.), para a interpretação e mapeamento dos geossistemas nos níveis topológicos.

Material e métodos

O estudo dos geossistemas na bacia do Ribeirão Água Preta se pautou nos seguintes atributos: formas de relevo, declividade do terreno, base geológica, uso da terra e cobertura vegetal. Foram gerados documentos cartográficos para tais variáveis, que posteriormente foram sobrepostos para o discernimento das unidades geossistêmicas, cartografadas na escala de 1/50.000. A compartimentação geomorfológica da Bacia do Córrego Ribeirão da Água Preta seguiu orientações metodológicas de Tricart (1965) e Ross (1992), pautando-se nos padrões de formas semelhantes e nas formas propriamente ditas. A nomenclatura dos modelados denudacionais seguiu as proposições de Ponçano et al (1981), referenciada na declividade e profundidade de dissecação, sendo esta última mensurada diretamente na base planialtimétrica em escala de 1/50.000 (Folha Alagoa, SF-23-Z-A-I-2). Posteriormente foi empreendida a digitalização em software ArcGis 9.3, por meio da ferramenta ArcToolBox, também acionada para a edição das cartas de declividade, hipsometria, uso da terra e cobertura vegetal. A base geológica foi extraída do Projeto Sul de Minas (Folha Pouso Alto), em escala de 1/100.000 (TROUW et al, 2003). Tais procedimentos foram complementados por trabalhos de campo para interpretação da paisagem. As campanhas de campo subsidiaram a elaboração dos documentos cartográficos, em consonância aos procedimentos de interpretação das bases planialtimétricas e imagens orbitais, bem como serviram para efetuar correções e adequações. Em campo também foram coletadas amostras de solos e outras coberturas de alteração que, embora não partilhem do conteúdo da legenda, foram fundamentais para uma compreensão adequada da estrutura superficial da paisagem. A classificação final, conforme prenunciado, se pautou em um princípio bilateral de classificação (SOCHAVA op cit), levando-se a efeito um mapeamento taxo-corológico que congrega, em duas fileiras, indivíduos (geócoros) e categorias (geômeros).

Resultado e discussão

A partir da classificação geossistêmica da bacia do Ribeirão da Água Preta (FIGURA 1), localizado no Geossistema da Alta Mantiqueira (MARQUES NETO, 2012), se fez factível o mapeamento de onze grupos de fácies/mesogeócoros formadores de classes de fácies que se agrupam no nível regional (macrogeócoro) (FIGURA 2). A bacia hidrográfica está posicionada em área de relevo eminentemente tectônico. Localizada em degraus superiores da Serra da Mantiqueira, a gênese da área de estudo partilha da evolução deste compartimento geomorfológico regional. O vale estreito controla o canal principal em forte encaixamento e dissecação vertical profunda, com vertentes talhadas em bloco falhado durante o tectonismo mesozoico e reafeiçoadas por efeitos deformacionais neotectônicos. A morfologia e dinâmica dos geossistemas ocorrentes na área é severamente influenciada pelo relevo, atributo definidor de significativa lateralidade para os processos físicos operantes, estimulados pelos declives acentuados que favorecem os processos hidrodinâmicos superficiais e subsuperficiais, engendrando manifestações erosivas e movimentos de massa. Os compartimentos geomorfológicos se encadeiam em uma cascata de matéria e energia, com zonas emissoras nos topos e nas altas encostas, e abastecendo os compartimentos de fundo de vale com quantidade expressiva de materiais finos e detríticos. Os modelados de acumulação são descontínuos e se desenvolvem restritamente em pequenos alvéolos. Logo, a prevalência dos materiais transportados pelas vertentes na bacia hidrográfica é efêmera, ainda que o canal fluvial se encontre entulhado. Malgrado sua largura muito fina, a energia da corrente é elevada, favorecendo o transporte e evacuação do material para o fundo do vale do rio Aiuruoca. Distintamente assimétrica, a maior parte da contribuição de massa que transita por este sistema hidrográfico provem de sua margem esquerda, sendo o divisor da margem direita caracterizado vertentes curtas que estabelecem contato com o fundo do vale mediante amplitude altimétrica mais baixa, determinando uma energia desigual em cada uma das faixas interfluviais. O compartimento denudacional mais baixo corresponde a uma faixa de degraus inferiores reafeiçoados que dão aporte a uma pedogênese latossólica mais copiosa, com ocorrência de solos com horizonte B textural. A influência preponderante do relevo é explicitada na legenda do documento cartográfico dos geossistemas, encabeçando a estrutura da nomenclatura atribuída às unidades de mapeamento, padronizada a partir do encadeamento dos seguintes atributos: relevo, vegetação, solos e base geológica. Cada unidade configura um grupo de fácies/mesogeócoro, que se agrupam em classes de fácies cujas expressões espaciais extravasam a área da bacia, podendo ser averiguadas em remissão a Marques Neto (2012). O Geossistema da Alta Mantiqueira que se menciona na FIGURA 2 se consubstancia pelo agrupamento destas classes de fácies, que formam este macrogeócoro de expressão regional. Juntamente ao relevo, a classificação dos geossistemas tem na vegetação um importante atributo descritor, tais coberturas, associadas ao relevo montanhoso e profundamente dissecado, definem paisagens de exceção que partilham de corredores ecológicos regionais, estabelecendo conexões funcionais com outras faixas de vegetação que medra sobre as zonas de cisalhamento de forte expressão morfológica na região da Serra da Mantiqueira. O Geossistema da Alta Mantiqueira, aqui tratado segundo os grupos de fácies presentes na bacia hidrográfica, é caracterizado por elevada fragilidade potencial em função dos fluxos laterais que se encerram, bem como por importância ecológica diferenciada dada pela ocorrência de importantes remanescentes da mata atlântica e campos altimontanos com endemismos correlatos. Dessa forma, entende-se que a função fundamental destas paisagens montanhosas se volta para a conservação dos recursos ambientais, com acentuada restrição a usos mais intensivos.

Conclusões

A interpretação e classificação dos geossistemas na região da Serra da Mantiqueira tem no relevo, de fato, o atributo fundamental. A gênese tectônica por tafrogenia que engendrou o horst soerguido somada aos efeitos deformacionais neotectônicos define paisagens fechadas encerradas em vertentes escarpadas e morros de dissecação profunda. Fica concebido que a valorização do relevo como atributo de grande influência na classificação dos geossistemas é conduta que pode ser propagada para os diversos contextos de relevo movimentado do domínio tropical atlântico. Para tal, deve-se estipular como agenda a necessidade de maiores esforços de aplicação e adaptação dos princípios bilaterais de classificação para o geossistema, conceito de grande valia para o levantamento dos recursos naturais e para o planejamento do uso da terra em diferentes escalas.

Agradecimentos

Referências

BERTALANFFY, L. V. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes, 1973.

CHORLEY, R. J. A geomorfologia e a Teoria dos Sistemas Gerais. Notícia Geomorfológica, Campinas, v. 11, n. 21, p. 3-22, 1971.

CHORLEY, R. J. A.; KENNEDY, B. A. Physical Geography: a system approach. London: Prentice Hall, 1971. 370p.

GREGORY, K. J. A natureza da Geografia Física. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1971.

MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA. Projeto Radambrasil. Folha SF-23 – Vitória/Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1983.
PONÇANO, W. L; CARNEIRO, C. D. R; BISTRICHI, C. A; ALMEIDA, F. F. M;

PRANDINI, F. L. Mapa geomorfológico do estado de São Paulo. Vol. 1. Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Divisão de Minas e Geologia Aplicada, 1981. 94p.

ROSS, J. L. S. O Registro Cartográfico dos Fatos Geomórficos e a Questão da Taxonomia do Relevo. Revista do Departamento de Geografia. FFLCH-USP. n. 6. São Paulo, 1992.

SOCHAVA, V. B. Geography and ecology. Soviet Geography: review and translation. New York, v. 12, n. 5, p. 277-293, 1971.

________________ O Estudo dos Geossistemas. Métodos em Questão. Nº 16. USP-IGEO. São Paulo, 1977.

________________ Por uma Teoria de Classificação dos Geossistemas da Vida Terrestre. Biogeografia. São Paulo. n. 14, 1978.

TRICART, J. Principés et méthods de la Geomorphologie. Paris: Masson, 1965.

TROUW, R.A.J. et al 2003. Geologia da Folha Pouso Alto 1:100.000. Geologia e recursos minerais do sudeste mineiro. Projeto Sul de Minas - Etapa I (COMIG, UFMG, UFRJ, UERJ), Relatório Final, 1ª ed., Belo Horizonte, Companhia Mineradora de Minas Gerais – COMIG.


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