A legislação brasileira e sua adequação a realidade na proteção ambiental das chapadas: Reflexões iniciais

Autores

Martins, F.P. (UFMG) ; Salgado, A.A.R. (UFMG) ; Carmo, F.F. (INSTITUTO PRÍSTINO)

Resumo

A vegetação em áreas de borda de chapada é de grande importância ambiental, sendo consideradas como Área de Preservação Permanente. Este trabalho se baseou em revisão bibliográfica e objetivou verificar se o conceito legal de chapada é coerente com o científico. Os resultados apontam que a legislação não é clara quanto à classificação deste tipo de relevo e as características exigidas fazem com que as geoformas que cientificamente poderiam ser consideradas como chapadas, legalmente não o sejam.

Palavras chaves

Chapada; Legislação Ambiental; Área de Preservação Perma

Introdução

O uso e ocupação das terras rurais no Brasil tem, em muitos casos, ultrapassado as fronteiras permitidas pela lei, invadindo áreas de APP e causando diversos problemas de ordem ambiental e, consequentemente, social. Tal tipo de problema é muito comum nas áreas de chapada. Estas áreas, por lei (Resolução CONAMA 303/2002), deveriam ter suas bordas, acima da escarpa, preservadas em uma faixa de 100 metros (zonas de APP). Entretanto, na prática, essas APP de borda de chapada raramente são respeitadas. Um dos fatores que dificulta a preservação das áreas de borda de chapada é a legislação que apresenta uma definição de chapada pouco abrangente e que abre margem para duplas interpretações. Neste sentido, o governo tem o poder de intervenção via legislações em âmbito federal, estadual e municipal, com o apoio de diversas resoluções estabelecidas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente. Logo, discutir se a classificação legal de chapada é adequada a realidade, bem como propor melhorias a essa classificação, torna-se instrumento importante em termos de preservação ambiental. Nesta óptica, o objetivo deste trabalho é discutir se a definição de chapada presente na Resolução CONAMA 303/2002 está adequada e, consequentemente, se atinge os objetivos de preservação ambiental. Pretende-se ainda, com essa discussão, contribuir para uma melhoria da legislação ambiental brasileira e consequentemente, contribuir também para uma melhor preservação ambiental das chapadas.

Material e métodos

Este trabalho foi elaborado a partir de pesquisas de gabinete baseadas em revisão bibliográfica. Foram consultados livros e artigos científicos, nacionais e internacionais, que apresentavam uma definição de chapada. Essas definições foram então comparadas com as do Código Florestal, Lei 12.727 de Outubro de 2012, e com a Resolução CONAMA 303/2002, que constituem base legal para discussão acerca das APPs de borda de chapada. Com base no cruzamento das definições científicas acerca de chapada com aquelas legais, discutiu-se se a lei que estabelece as bordas de chapada como APPs está cumprindo objetivo de preservas essas geoformas e assim impedir a erosão acelerada das mesmas e o consequente assoreamento dos cursos fluviais que essa erosão tende a causar.

Resultado e discussão

O Código Florestal (Lei Federal 12.727 de Outubro de 2012), em seu Cap. 2, Seção I trata da delimitação das Áreas de Preservação Permanente e, especificamente no seu Art. 4º, inciso VIII, da delimitação de APP de borda de chapada em que, deve-se preservar “as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais.” Também na Resolução CONAMA 303/2002, retrabalhada pelo então Código Florestal, estas delimitações de APP se fazem necessárias “nas escarpas e nas bordas dos tabuleiros e chapadas, a partir da linha de ruptura em faixa nunca inferior a cem metros em projeção horizontal no sentido do reverso da escarpa.” Para se confirmar a existência deste tipo de APP é necessário que o relevo atenda a alguns critérios para que possa ser classificado como chapada. Assim, para fins de definição de relevo do tipo chapada a Resolução CONAMA 303/2002, em seu artigo 2º, inciso XI, traz as características que devem ser contempladas em sua morfologia: (i) Topografia plana, com declividade média inferior a dez por cento, aproximadamente seis graus; (ii) Superfície superior a dez hectares; (iii) Terminar de forma abrupta em escarpa; (iv) Estar a mais de seiscentos metros de altitude. Ao partir do princípio de que o platô deve terminar de forma abrupta em escarpa, a mesma Resolução, em seu inciso XII, define: “escarpa: rampa de terrenos com inclinação igual ou superior a quarenta e cinco graus, que delimitam relevos de tabuleiros, chapadas e planalto, estando limitada no topo pela ruptura positiva de declividade (linha de escarpa) e no sopé por ruptura negativa de declividade, englobando os depósitos de colúvio que localizam-se próximo ao sopé da escarpa.” (Grifo nosso). Conforme a lei estabelece, um dos requisitos para um platô ser classificado como chapada é terminar de forma abrupta em escarpa, ou seja, ter vertente com declividade igual ou maior a 45º. Entretanto, a lei não menciona a quantidade e frequência com que as escarpas (declives iguais ou maiores que 45º) devem ocorrer nas bordas do relevo, dando margem a diferentes interpretações. Além disso, abre-se uma outra questão: Não podem existir chapadas em que as laterais nunca alcancem 45°? Geomorfologicamente isso é plenamente possível. Impossível é determinar uma declividade mínima para que o processo de erosão da lateral da chapada ocorra. Igualmente é impossível determinar com base em artigos científicos ou livros uma declividade mínima em suas laterais para classificar uma um platô como chapada (Goudie, 2004; Press et al., 2006; Guerra & Guerra, 2008; Florenzano, 2008; IBGE, 2009; Boroda et al., 2014). Isso ocorre, pois essa declividade depende do equilíbrio dinâmico entre clima, litologia, vegetação e comprimento da vertente. Em áreas de rochas mais resistentes e clima mais seco, a lateral da chapada (escarpa) será mais estável mesmo possuindo uma elevada declividade como, por exemplo, 45°. Já em locais de rocha mais frágil e clima mais úmido, esse processo de retração lateral irá ocorrer mesmo que a lateral da chapada (escarpa) possua declividades inferiores a 45°. Logo, o que determina a existência de uma chapada não é apenas a declividade de sua lateral (escarpa) e a planura de seu topo. Mas sim sua geoforma (Figura 1), que é o resultado de um processo genético caracterizado pela preservação de seu topo plano ou quase plano e pela erosão de suas laterais íngremes. Desta forma, é possível afirmar que existem fortíssimos indícios de que a legislação brasileira em sua definição de chapada não está cumprindo a função de proteger essas geoformas. Algumas chapadas podem não estar protegidas por lei, pelo simples fato de não possuírem as laterais com declividades superiores a 45°. Sendo assim, estão sujeitas a terem suas bordas desmatadas e, por consequência, suas laterais rapidamente erodidas, pois a manutenção da vegetação nativa favorece a estabilidade das mesmas (Figura 2).

Figura 1: Desenho esquemático da geoforma chapada.

Desenho esquemático da geoforma chapada.

Figura 2: Exemplo esquemático da degradação da paisagem que o desmatam

Exemplo esquemático da degradação da paisagem que o desmatamento das bordas de chapada podem causar

Conclusões

A Resolução CONAMA 303/2002, ao dar margem para múltiplas interpretações da lei e ao exigir que para uma chapada ser legalmente reconhecida como tal esta tenha que ter lateral com pelo menos 45° de declividade, não cumpre com a função pretendida, neste caso, a de preservar áreas de extrema importância ambiental e ecológica. Por isso a legislação precisa ser revisada, indo ao encontro dos diversos trabalhos geomorfológicos que existem sobre o tema. Sua atualização é importante na medida em que não permitirá que áreas com dinâmica e evolução do tipo de chapada deixem de ser consideradas e classificadas legalmente como tal. Por fim, conclui-se que a Resolução CONAMA 303/2002 tal como se apresenta favorece interpretações que podem ocasionar a supressão da vegetação natural das bordas das chapadas brasileiras, ocasionando desequilíbrio ambiental nessas paisagens.

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES pelo apoio financeiro.

Referências

BORODA R., MATMON A., AMIT R., HAVIV I., ARNOLD M., AUMAÎTRE G., BOURLÈS D. L., KEDDADOUCHE K., EYAL Y., ENZEL Y. Evolution and degradation of flat-top mesas in the hyper-arid Negev, Israel revealed from 10Be cosmogenic nuclides. Earth Surface Processes and Landforms (in press).

BRASIL. Lei nº 12.727, 17 de Outubro de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato 2011 2014/2012/lei/L12727.htm> Acesso em: 2 Julho, 2014.

CONAMA. Lei nº 303, 20 de Março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Disponível em:<http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=299> Acesso em: 2 Julho, 2014.

FLORENZANO T. G. (org.). Geomorfologia: conceitos e tecnologias atuais. São Paulo, Oficina de Textos, 2008.

GOUDIE A. S. Encyclopedia of Geomorphology. New York, Routledge Taylor & Francis, 2004. 1.201p.

GUERRA A. T., GUERRA A. J. T. Novo Dicionário Geológico-Geomorfológico. Rio de Janeiro, Bertrand, 2008.

INTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Manual Técnico de Geomorfologia. Rio de Janeiro, IBGE, 2009. 182p.

PRESS F., SIEVER R., GROETZINGER J., JORDAN T. H. Para Entender a Terra. Porto Alegre, Artmed. 2006, 656p.


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