AS INUNDAÇÕES NO MUNICÍPIO DE VILA VELHA E A IMPORTÂNCIA DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS NO SUPORTE AO PLANEJAMENTO

Autores

Deina, M.A. (IFES) ; Coelho, A.L.N. (UFES)

Resumo

Vila Velha é um dos municípios mais urbanizados do ES e historicamente sofre com inundações, pois está assentado sobre planícies fluviais e litorâneas, nas quais o avanço da urbanização agrava o problema. O objetivo principal deste paper foi delimitar as bacias que drenam o município e identificar a relação destas com as inundações. Os resultados mostram que o município é drenado por três bacias e o grau de intervenções nos cursos d’água relaciona-se ao de urbanização e compromete o escoamento.

Palavras chaves

Inundações ; Drenagem Urbana; Planejamento

Introdução

Com o crescimento da população mundial, as atividades econômicas e as áreas urbanizadas expandem-se pelo território, em geral de forma desordenada, provocando danos ambientais, especialmente sobre as bacias de drenagens, que segundo Cunha (2003) refletem a forma de uso do solo e sua dinâmica. As mudanças provocadas pelo homem na bacia, refletem sobre os canais modificando o comportamento hidrológico e a morfologia dos mesmos. Tais alterações implicam sérios danos a população, especialmente das áreas urbanizadas, pois comprometem o abastecimento e agravam os eventos de inundações. Esta realidade atinge significativa parcela das bacias hidrográficas brasileiras, em diferentes escalas, sobretudo as situadas em ambientes urbanos, cujas políticas urbanas e ambientais são pouco articuladas, dificultando o planejamento integrado do território a partir do recorte espacial da bacia hidrográfica, pois é nela que ocorre de forma bastante latente as relações sociedade-natureza (BRAGA E CARVALHO, 2003). Vila Velha, localizada no litoral do ES faz parte desta realidade. Pertence a RMGV (Região Metropolitana da Grande Vitória) e é um dos municípios mais urbanizados do Estado, com 414.586 habitantes (IBGE, 2010). Seu crescimento segue a direção Sul do município e, historicamente, enfrenta sérios problemas com as inundações, que ocorrem por fatores de ordem natural mas que são agravados pela forma de uso e cobertura da terra. Além disso, a rede de drenagem do município é complexa e sofre alterações da ação humana, diretas e indiretas, desde a época dos jesuítas (DEINA, 2013). Com base neste conjunto de fatores e a complexa realidade das inundações em Vila Velha, este paper tem como objetivos delimitar as principais bacias hidrográficas que drenam o município, a partir do traçado dos seus cursos d’água, identificar a complexa relação das bacias com os frequentes eventos de inundações, evidenciando a importância da bacia como ponto de partida para o planejamento urbano ambiental.

Material e métodos

O trabalho iniciou-se com o levantamento de referenciais bibliográficos como: livros, periódicos, dissertações, ortofoto de Vila Velha 2008 (Instituto Estadual de Meio Ambiente), dados populacionais do ES (IBGE, 2010) e Plano de Informação dos limites municipais do ES (GEOBASES). Paralelamente fez-se a análise da ortofoto de Vila Velha, que permitiu a identificação e vetorização dos cursos d’água no município e em suas bacias. A referida vetorização foi efetuada com auxílio da ferramenta Catalog, no ArcMap 10.2.2, um Sistema de Informações Geográficas da empresa ESRI. Esta ferramenta permitiu criar vetores diferenciados para cada bacia. Foram delimitadas três bacias principais (Figura 1): a bacia do rio Santa Maria, ao Norte, drenando a porção mais urbanizada do município; a bacia do rio Jucu, na porção centro-Sul, região bastante afetada com as inundações e cheias do rio, cuja urbanização é crescente; e, a bacia de Guarapari, cuja drenagem se dirige para a porção Sul- Sudoeste do município e menos urbanizada. As duas primeiras bacias citadas situam-se nas porções mais urbanizadas, cujos cursos d’água passaram por inúmeras modificações, tanto diretas com obras de engenharia, ou indiretas através da retirada da mata ciliar, impermeabilização do solo, entre outras. Após a vetorização dos cursos d’água, finalizou-se a criação dos shapefile’s de cada bacia hidrográfica em Vila Velha. Para a confecção do mapa das bacias que drenam o município, foi necessário, além da ortofoto do IEMA e da vetorização dos cursos d’água em suas bacias, a utilização do Plano de Informação referente aos limites municipais do Espírito Santo. A conclusão do mapa das bacias, permitiu a análise da configuração da drenagem urbana, iniciada a partir da vetorização dos cursos d’água e delimitação das bacias de drenagem. Além disso, a delimitação das bacias permitiu identificar parte da complexa realidade da drenagem em uma bacia, evidenciando sua importância no planejamento urbano ambiental.

Resultado e discussão

A vetorização dos cursos d’água que drenam o município de Vila Velha, permitiu a partir do seu traçado, identificar o quanto a drenagem local foi alterada, haja vista o número de canais retificados (Figura 1). Na bacia ao Norte, a mais urbanizada, as alterações são facilmente percebidas, pois o número de canais a céu aberto é muito pequeno, especialmente se levarmos em conta a densidade e o padrão de drenagem desta bacia à montante. A maior parte dos cursos d’água foram retificados, outros tornaram-se galerias fluviais e/ou pluviais fechadas, não sendo mais possível a sua identificação na imagem. As constantes e históricas inundações na região indicam que a densidade e a capacidade dos canais de drenagem é limitada para drenar a água da montante da bacia e, a que precipita localmente. Os bairros Cobilândia, Jardim Marilândia e entorno, são exemplos emblemáticos desta situação. Mesmo cercados por canais de drenagem por todos os lados, ficam completamente inundados após as chuvas. Tal problema, no entanto, não está apenas na questão estrutural destes cursos d’água. A falta de manutenção dos canais artificiais construídos para drenar a água com maior velocidade e que se tornaram ao longo do tempo depósito de lixo e esgoto in natura, potencializam o problema. Além disso, a região sofre com a subida das marés que contribuem para aumentar os níveis dos canais. Na bacia do Jucu também é possível identificar um elevado número de canais retificados, o principal deles é o próprio Jucu, além de outros canais artificiais construídos a partir de 1950, pelo extinto DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento), para aumentar a capacidade de escoamento, minimizar as inundações e aumentar o percentual de terras à exploração agrícola (ANA, 2012). Porém, tais intervenções não resolveram o problema das inundações, tamanha é a sua complexidade, além do constante avanço da urbanização em direção ao Jucu, impermeabilizando extensas áreas e acelerando o escoamento superficial (DEINA & COELHO, 2013). A especulação imobiliária também contribui, pois no entorno das áreas mais propícias a ocupação e vendidas a população de melhor poder aquisitivo, instala- se população de baixa renda (CARNEIRO & MIGUEZ, 2011), que ocupa as porções mais baixas da planície do Jucu, sujeita a inundações naturais agravadas pela ocupação. O histórico de ocupação em Vila Velha e as tendências de expansão da urbanização, indicam que o baixo Jucu em pouco tempo terá ampliado seu número de canais retificados e encobertos por concreto ou similares para dar espaço a urbanização crescente, como ocorreu na bacia da porção Norte do município. Essa tendência de retificação e canalização dos canais de drenagem à medida que a urbanização cresce e que tem se mostrado ineficaz (CUNHA, 2012), fica evidente na imagem da Figura 1. Nota-se claramente que na porção Norte, onde a urbanização é mais intensa, o número de canais visíveis pela ortofoto é bem menor que nas demais bacias, pois muitos foram encobertos. Na bacia do Jucu, percebe-se igualmente esse padrão de retificação e canalização dos cursos d’água, mas a maioria ainda estão descobertos, pois o processo de ocupação não está totalmente consolidado. Enquanto a bacia de Guarapari, na porção Sul- Sudoeste do município, mantém seus cursos d’água menos alterados, haja vista que é a porção menos urbanizada de Vila Velha. Tal realidade evidencia a importância dessas informações no âmbito do planejamento urbano ambiental integrado, tendo em vista que o motivo das inundações, em geral, não está associado a um único fator em escala local. No caso de Vila Velha, além dos fatores locais mencionados, a que se destacar que o município recebe toda a água de duas significativas bacias de drenagem, cujas nascentes situam-se nos municípios a montante. Deste modo, é imprescindível para qualquer planejamento levar em consideração tais informações e não se restringir apenas aos fatores de ordem local e de maneira estanque.

Mapa

Figura 1 – Bacias Hidrográficas que drenam o município de Vila Velha (ES).

Conclusões

O município de Vila Velha sofre constantemente com os eventos de inundação independente da bacia hidrográfica, pois a baixa topografia, o intenso processo de urbanização e a consequente impermeabilização do solo, assim como as intensas alterações diretas e indiretas sobre os canais, contribuem sobremaneira com as inundações. Tal problema requer dos gestores públicos um trabalho de qualidade, com equipes multidisciplinares e apoio de profissionais especializados, principalmente, que entendam a dinâmica de uma bacia hidrográfica no escoamento de qualquer superfície, especialmente quando se trata de planícies fluviais e litorâneas cobertas pela urbanização. Deste modo, o planejamento urbano ambiental integrado deve estar cerceado por planos de recursos hídricos eficientes que, no caso de Vila Velha, levem em consideração o fato do município estar inserido em mais de uma bacia hidrográfica, e considerando que cada uma possui suas particularidades que devem ser respeitadas.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto Federal do Espírito Santo (IFES/Campus Ibatiba) por apoiar a participação e apresentação deste trabalho no referido evento. Ao Laboratório de Cartografia Geográfica e Geotecnologias - LCGGEO da UFES pela contribuição na construção do material cartográfico a partir do uso de geotecnologias como o SIG.

Referências

1. ANA - Agência Nacional de Águas. Bacias Hidrográficas do Atlântico Sul – Trecho Leste: Sinopse de informações do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Sergipe. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/cd4/index.htm>. Acesso em: 25 ago. 2012.
2. BRAGA, Roberto; CARVALHO, Pompeu F. C. Recursos hídricos e planejamento urbano e regional. Rio Claro: Laboratório de Planejamento Municipal-IGCE-UNESP. 2003. p. 113-127.
3. CARNEIRO, Paulo Roberto Ferreira; MIGUEZ, Marcelo Gomes. Controle de Inundações em Bacias Hidrográficas Metropolitanas. São Paulo: Annablume, 2011. 1ª Ed. Fls. 300.
4. CUNHA, Sandra Baptista da. Canais fluviais e a questão ambiental. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Batista da. A questão ambiental: diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 219-238.
5. _______________. Geomorfologia Fluvial. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Batista da. Geomorfologia: Uma Atualização de Bases e Conceitos. 6ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 211-252.
6. _______________. Rios Desnaturalizados. In: BARBOSA, J. L.; LIMONAD, E. (Orgs.) Ordenamento Territorial e Ambiental. Rio de Janeiro: Ed. UFF, 2012. p. 171-191.
7. DEINA, Miquelina Aparecida. Alterações hidrogeomorfológicas do baixo curso do rio Jucu (ES). 2013. 186 fls. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 2013.
8. DEINA, Miquelina A.; COELHO, André Luiz N. Análise das Áreas Inundáveis no Baixo Rio Jucu em Vila Velha (ES) com Imagens Temporais CBERS 2B/CCD. XV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada: Uso e Ocupação da Terra e as Mudanças das Paisagens. Vitória (ES), 8 a 12 de julho de 2013. Departamento de Geografia. CCHN. UFES.
9. GEOBASES - Sistema Integrado de Bases Geoespaciais do Estado do Espírito Santo. Disponível em: <http://www.geobases.es.gov.br/portal/>. Acesso em: abr. 2014. Vitória (ES).
10. GUERRA, Antônio Teixeira; GUERRA, Antônio José Teixeira. Novo Dicionário Geológico-Geomorfológico. 4. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
11. IBGE. Banco de dados agregados (Dados Populacionais do Espírito Santo - 2010). Disponível em: <www.sidra.ibge.govbr>. Acesso em: 16 abr. 2014.
12. IEMA - Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Ortofoto aérea de Vila Velha 2008. Vitória (ES).


APOIO
CAPES UEA UA UFRR GFA UGB