Alterações na rede de drenagem da Bacia do Arroio Chasqueiro - RS, decorrentes da ação antrópica.

Autores

Felipim, T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS) ; Simon, A.L.H. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS)

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar as alterações na rede de drenagem da bacia hidrográfica do Arroio Chasqueiro (RS/Brasil). Foram elaborados dois mapas da rede de drenagem referentes aos cenários de 1947 e 2010. Verificou-se uma diminuição no número de nascentes, nas densidades de rios e de drenagem, bem como processos de reativação da rede de drenagem que apontam para a reorganização da hidrografia em função dos mecanismos de controle impostos.

Palavras chaves

Antropogemorfologia; Bacia Hidrográfica; Alterações Ambientais

Introdução

O estudo das intervenções antrópicas em bacias hidrográficas, a partir da imposição de mecanismos de controle diretos e indiretos, tem destaque nas pesquisas vinculadas à geomorfologia antropogênica, uma vez que as atividades humanas ocorrem com maior intensidade sobre os elementos que se encontram em contato direto com a dinâmica de uso da terra, como as formas do relevo, a rede de drenagem e a cobertura vegetal (LEVENTEZA; PEREZ FILHO, 2009; CASSETI, 1991). As bacias hidrográficas são sistemas naturais em certo estado de equilíbrio. Quando o sistema é submetido a um barramento, ele passa por uma brusca mudança em seu nível de base, fazendo com que os canais fluviais à jusante e à montante procurem restabelecer seu perfil de equilíbrio. Destaca-se que barramentos atrelados à uma intensa dinâmica de uso da terra podem tornar mais complexa esta reorganização da rede de drenagem, contribuindo para a intensificação das alterações. De acordo com Nir (1983), as análises antropogeomorfológicas devem contemplar períodos pré e pós significativa intervenção antrópica, destacando a necessidade de um cenário base, que de acordo com Rodrigues (2005) é considerado como de morfologia original, para a avaliação das derivações antrópicas sobre a morfohidrografia. O período pós intervenção antrópica pode ser compreendido como de organização da morfologia antropogênica, onde os atributos do sistema, incluindo a rede de drenagem, já foram alterados significativamente. Diante destas questões, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de analisar as alterações espaciais na rede de drenagem da bacia hidrográfica do Arroio Chasqueiro (Arroio Grande, RS – Brasil), que possui uma área de 247,09 km². Na década de 1980, o Arroio Chasqueiro foi interceptado por um barramento que atendeu à irrigação de lavouras de arroz, e a dinâmica de uso da terra ocorrida na área aponta para a evolução de culturas temporárias e áreas de silvicultura sobre as coberturas originais.

Material e métodos

Para compreender as transformações espaciais na rede de drenagem da bacia do Arroio Chasqueiro decorrentes da ação antrópica, foram elaborados dois mapas hidrográficos da área, onde foram reconhecidos: (a) os segmentos de canal fluvial localizados em compartimentos de fundo de vale em “V”; (b) os segmentos de canal fluvial localizados em compartimentos de fundo de vale plano; (c) os canais pluviais, (d) os reservatórios de água e (e) o número de nascentes. O mapa da rede de drenagem do ano de 1947, considerado o mais próximo das condições de morfologia original, foi elaborado a partir de fotografias aéreas pancromáticas em escala aproximada de 1:20.000, que foram convertidas em anaglifos tridimensionais, de acordo com as orientações de Souza (2012). O mapa da rede de drenagem do cenário de 2010, considerado o cenário das intervenções antropogênicas, foi elaborado a partir da interpretação em tela de uma imagem do sensor PRISM (Panchromatic Remote- sensing Instrument for Stereo Mapping) componente do sistema ALOS (Advanced Land Observing Satellite), com resolução espacial de 2,5 metros, com qualidade satisfatória para a identificação das características da hidrografia pré-definidas para os mapeamentos. Tanto os anaglifos tridimensionais quanto a imagem do sensor PRISM foram georreferenciados à base cartográfica da área em estudo, elaborada a partir dos dados vetoriais do Estado do Rio Grande do Sul (HASENACK; WEBER, 2010), no software ArcGIS 10.0. Os dados espaciais da rede de drenagem oriundos dos dois mapas também possibilitaram a análise das densidades de rios (Dr) e de drenagem (Dd) da bacia hidrográfica. Por fim, foram realizados trabalhos de campo, orientados pelas informações obtidas nos mapas elaborados, que evidenciaram as principais alterações na rede de drenagem, possibilitando também validar ou refutar as informações mapeadas no cenário mais recente.

Resultado e discussão

Após elaborados os mapas da rede de drenagem dos cenários de 1947 e 2010, as informações sobre a extensão dos canais fluviais e pluviais, bem como o número de nascentes e a área dos reservatórios foram tabulados para uma melhor compreensão das alterações ocorridas (Tabela 1). De forma geral, houve um decréscimo de mais de 58 km na rede de drenagem da bacia do Arroio Chasqueiro. Entretanto, os canais fluviais localizados em fundos de vale com seção transversal em “V” apresentaram um aumento de 26,31 Km em sua extensão, e os canais de drenagem localizados em compartimentos de fundo de vale com seção transversal plana tiveram um decréscimo muito significativo, de 85,04 km. No que se refere aos canais pluviais ou intermitentes, alimentados exclusivamente pela precipitação, verificou-se um aumento de 51,94 Km, passando de 308,13 Km em 1947 para 360,07 Km em 2010. A diminuição dos canais fluviais se deve em grande parte pela própria construção do Reservatório Chasqueiro, que inundou áreas onde no cenário de 1947 predominavam canais fluviais em compartimentos de fundo de vale com seção transversal plana. Conforme se observa na Tabela 1, no cenário de 1947 não existiam reservatórios de água. Já no cenário de 2010 os reservatórios passaram a ocupar uma área de 14,85 Km2, logo houve uma considerável interceptação dos canais de drenagem da bacia, não somente pelo Reservatório Chasqueiro, mas também por pequenos açudes construídos para a irrigação e captação de água. Outro fator importante que deve ser considerado é a alteração do nível de base local causada pela construção do Reservatório Chasqueiro. O estabelecimento de um novo nível de base pode ter desencadeado processos que atuaram nas alterações espaciais na hidrografia da bacia, pois a interceptação pode alterar a capacidade de transporte, conduzindo à deposição de sedimentos e assoreamento dos fundos de vale, além de interromper a transferência de sedimentos. Por outro lado, o comportamento complexo da rede de drenagem diante deste barramento pode também estar sendo manifestado a partir da reativação de alguns segmentos de canal fluvial, sobretudo àqueles que se encontram em áreas com significativas alterações na cobertura e uso da terra e em porções com declividades pronunciadas da alta bacia. A análise das densidades de rios e drenagem da bacia revela um decréscimo de um cenário para outro. A densidade de rios que era de 5,75 em 1947 passou a ser de 5,23 em 2010, ao passo que a densidade de drenagem que era 3,13 km/km² em 1947 reduziu para 2,89 km/km² em 2010. Essas diminuições, tanto nas densidades de rios quanto de drenagem podem ser explicadas pelas interferências antrópicas diretas na bacia, vinculadas às interceptações causadas pelos reservatórios, como também pelas interferências indiretas, atreladas à dinâmica de cobertura e uso da terra. Na área em estudo a remoção de áreas florestais de encosta ou de galeria e dos campos nativos, cedeu espaço às práticas agrícolas em pequenas e médias propriedades rurais, além da silvicultura. Tanto para o plantio de culturas temporárias como para a silvicultura, é necessário o preparo do solo, onde são usadas técnicas cada vez mais modernas de plantio, seja com terraços agrícolas ou aplainamento das superfícies, fazendo com que ocorra a remoção da cobertura vegetal, com implicações na infiltração e no escoamento subsuperficial, que podem diminuir a recarga do lençol freático explicando a diminuição nos canais de primeira ordem e a diminuição nas densidades de rios e de drenagem verificadas (Tabela 1). Além disso, intervenções diretas como o soterramento de canais fluviais para ampliação de lavouras, verificados em campo, contribuem para suprimir nichos de nascentes, fato que ajuda explicar a diminuição dos índices de densidade de rios e drenagem.

Tabela 1

Fonte: Organizado pelos autores.

Conclusões

A análise das características espaciais da rede de drenagem da bacia hidrográfica do Arroio Chasqueiro em dois cenários temporais distintos (pré e pós intervenção antrópica), possibilitou identificar as alterações nos diferentes segmentos da hidrografia em decorrência da alteração no nível de base regional e da dinâmica de uso da terra. A diminuição no número de nascentes é um aspecto preocupante para a gestão dos recursos hídricos, pois demarca a redução da capacidade da bacia hidrográfica em manter seu balanço hídrico. A intensificação das retomadas erosivas, assinaladas pelo aumento dos canais fluviais localizados em compartimentos de fundo de vale em “V”, pode contribuir para a diminuição do tempo de utilização dos reservatórios em decorrência da aceleração do assoreamento. Este mesmo processo pode também ocasionar a evolução de feições erosivas em cabeceiras de drenagem, uma vez que as nascentes seriam o local de repercussão direta dos efeitos das retomadas erosivas.

Agradecimentos

Referências

CASSETI, V. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991.
HASENACK, H.; WEBER, E. (orgs.). Base cartográfica vetorial contínua do Rio Grande do Sul - escala 1:50.000. Porto Alegre: UFRGS-IB-Centro de Ecologia. 2010. 1 DVD-ROM (Série Geoprocessamento,3).
LEVANTEZA, M. B.; PEREZ FILHO, A. Geomorfologia Antropogênica: alterações na evolução dos canais de primeira ordem na bacia hidrográfica do córrego da aroeira (Mira Estrela - SP), decorrentes da construção da barragem de Água Vermelha. In: Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada,13, 2009, Viçosa. Anais... Viçosa: UFV, 2009.
NIR, D. Man, a geomorphological agent: an introduction to anthropic geomorphology. Jerusalém: Ketem Pub. House, 1983.
RODRIGUES, C. Morfologia Original e Morfologia Antropogênica na definição de unidades espaciais de planejamento urbano: um exemplo na metrópole paulista. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, v. 17, p. 101-111, 2005.
SOUZA, T. A. Avaliação da Potencialidade de Imagens Tridimensionais em Meio Digital para o Mapeamento Geomorfológico. Revista GEONORTE, Edição Especial, V.2, N.4, p.1348 – 1355, 2012.


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