CONTRIBUIÇÕES AO PROCESSO DE DELIMITAÇÃO DE ÁREAS ÚMIDAS E ENTORNO PROTETIVO

Autores

Paula, E.V. (UFPR) ; Marés Mikosik, A.P. (UFPR)

Resumo

O estado do Paraná tem sancionada, desde 2008, a Resolução Conjunta IBAMA/SEMA/IAP n° 005 que estabelece critérios para a delimitação de áreas úmidas e respectivos entornos protetivos, além de normatizar a conservação das mesmas. O presente trabalho tem como estudo de caso uma sub-bacia do rio Nhundiaquara (Antonina/PR) e propõe um roteiro metodológico para aquisição e tratamento dos dados geopedológicos necessários à aplicação da resolução supracitada, com o intuito de ampliar sua objetividade.

Palavras chaves

Áreas Úmidas; Entorno Protetivo; Conservação Ambiental

Introdução

A recém-publicada Lei 12.727/12 (BRASIL, 2012), corresponde ao Código Florestal Brasileiro, estabelece que as áreas úmidas figurem entre as Áreas de Preservação Permanente (APPs), contudo não define critérios para a delimitação das mesmas. No estado do Paraná, vigora desde 2008, a Resolução Conjunta IBAMA/SEMA/IAP n° 005 (PARANÁ, 2008), conforme a qual as áreas úmidas são caracterizadas como ecossistemas localizados em relevos planos ou abaciados, com predomínio de elevados níveis de saturação hídrica nos solos, os quais possibilitam a formação de solos hidromórficos. Em virtude dessas características genéticas, os processos que regem esses ambientes denotam elevada capacidade de fixação de carbono e armazenamento de água no solo. Com o objetivo de assegurar essas funções ambientais faz-se necessário conservar seu entorno protetivo, o qual deve ser constituído por solos não hidromórficos, caracterizados pela ausência de hidromorfia dentro de um metro, a partir da superfície, situado adjacente à área úmida, cuja largura depende, localmente, da declividade e da textura dos solos (PARANÁ, 2008). Estes solos, por não estarem saturados por água, exercem a função de filtro de impurezas (MOREIRA-NODERMANN, 1987). Deve-se destacar que a resolução em questão estabelece critérios para a delimitação de áreas úmidas e respectivos entornos protetivos, além de normatizar a conservação das mesmas. Com o intuito de contribuir com a normatização das áreas úmidas em território paranaense, o presente estudo propõe um roteiro metodológico voltado à aquisição e tratamento dos dados geopedológicos necessários à aplicação da resolução supracitada. Para tanto, foi utilizada como piloto uma sub-bacia do rio Nhundiaquara, a qual apresenta 20,5 ha e encontra-se localizada na planície litorânea do estado do Paraná, no município de Antonina. Esta sub-bacia está circundada por colinas e morros, o que favorece a concentração do fluxo hídrico para sua porção central, formando assim uma área úmida.

Material e métodos

Segundo o mapeamento pedológico realizado por SANTOS et al. (2009), registrou-se na sub-bacia de estudo a presença de Gleissolos Háplicos na porção mais baixa do terreno e Cambissolos Háplicos nas colinas e morros adjacentes. Entretanto, a escala do mapeamento supracitado (1:50.000) não permitiu a correta identificação dos limites existentes entre as tipologias pedológicas encontradas. Para o mapeamento da faixa de transição entre os ambientes hidromórfico e não hidromórfico efetuou-se, primeiramente, detalhado levantamento topográfico, por meio do equipamento LEICA TS 02. O ponto de partida do mesmo foi obtido com precisão de 2mm, a partir de rastreio geodésico GNSS (Global Navigation Satellite System). A orientação da poligonal do levantamento topográfico foi efetuada com base nesse ponto de partida e na amarração pela localização do terreno, segundo NBR 13133 (1994). Posteriormente, tendo como referência os 549 pontos obtidos com o levantamento topográfico, elaborou-se o Modelo Digital do Terreno (MDT), a partir do método Topo to Raster, conforme TARBOTON (2005). Para melhor representar os morros e colinas do entorno da área úmida consideraram-se também as curvas de nível, pontos cotados e hidrografia disponíveis nas cartas topográficas, cuja escala original é de 1: 25.000. O MDT foi utilizado para delimitação das vertentes da sub-bacia e cálculo da classe de declividade predominante em cada vertente. Em seguida, efetuou-se levantamento expedito dos solos situados na porção de transição do ambiente hidromórfico para o não hidromórfico. Coletas de amostras dos solos foram realizadas nas vertentes mapeadas. Estas foram submetidas à análise granulométrica, conforme EMBRAPA (1997). Os resultados foram utilizados para determinar a textura dos solos, de acordo com (LEMOS e SANTOS, 1996). Por fim, com o auxílio do ArcGIS 9.3.1, realizou-se a delimitação da área úmida e entorno protetivo, seguindo-se os critérios estipulados na Resolução Conjunta no 005 (PARANÁ, 2008).

Resultado e discussão

A delimitação dos solos hidromórficos e semi-hidromórficos, a partir dos dados topográficos e levantamento pedológico expedito, possibilitou a identificação na paisagem do segmento correspondente à área úmida. A mesma apresentou 1,94 hectares e perímetro de 773,5 metros, sendo caracterizada pela presença de Gleissolos Háplicos e domínio da espécie Typha domingensis (taboa). Das quatro vertentes existentes na sub-bacia, duas apresentaram declividades predominantes entre 20 e 45%, uma delas apresentou a predominância de declividades entre 8 e 20%, enquanto na outra predominaram declives de 0 a 8%. Os solos coletados para análise granulométrica demonstraram textura média em seus horizontes B. Desta forma, conforme Quadro 1, extraído da Resolução Conjunta no 005 (PARANÁ, 2008), o entorno protetivo apresentou larguras de 80 e 60 metros. Na Figura 1 têm-se representados a sub-bacia estudada, assim como a área úmida delimitada e seu entorno protetivo que apresentou área de 5,92 hectares e larguras de 50, 60 e 80 metros, com extensões respectivas de 101, 451 e 222 metros. É pertinente salientar que a Resolução Conjunta no 005 (PARANÁ, 2008), não faz referência aos ambientes semi-hidromórficos, os quais são caracterizados pela ausência de hidromorfia dentro de cinquenta centímetros, a partir da superfície, situando-se entre a área úmida e os solos hidromórficos. Segundo CURCIO (2006) os ambientes semi-hidromórficos, eventualmente, podem apresentar regime hídrico de saturação plena do solo, porém em curtos intervalos de tempo. Visando a garantia da manutenção das funcionalidades ambientais das áreas úmidas, sugere- se, tal como se efetuou no presente estudo, que os solos semi-hidromórficos sejam incorporados às áreas úmidas. Seguindo as proposições de MIKOSIK et al. (2012) e, sobretudo, o mapeamento realizado no presente estudo, recomenda-se o seguinte roteiro metodológico para a delimitação de uma determinada área úmida e de seu entorno protetivo: 1) Identificar a área úmida a partir de fotografia aérea ou imagem de satélite de alta resolução; 2) Levantamento topográfico de detalhe da na sub-bacia se localiza a área úmida, valorizando a concentração de pontos no ambiente de transição entre os solos hidromórficos e não hidromórficos; 3) Levantamento expedito dos solos, sobretudo daqueles situados na mesma faixa de transição supramencionada, com o objetivo de se caracterizar o regime de umidade em cada ponto amostrado. Essa avaliação pode ser efetuada pela medição da profundidade, a partir da qual ocorrem processos tais como gleização ou mosqueamento. A descrição destes processos pode ser consultada em EMPRAPA (2013), os quais se constituem em bons indicadores do regime de umidade dos solos (BOUMA, 1983); 4) Espacializar os dados obtidos nas etapas anteriores em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (SIG); 5) Confeccionar um MDT (método topo to raster, TARBOTON, 2005), seguido da confecção da carta de declividade; 6) A partir do MDT e informações pedológicas, extraídas do levantamento expedito, realizar delimitação dos solos hidromórficos, semi-hidromórficos e não hidromórficos, sendo que os dois primeiros corresponderão efetivamente à área úmida; 7) De acordo com a dimensão da área úmida e diversidade geopedológica (CURCIO et al., 2006) do entorno da mesma, definir as vertentes representativas para coleta dos solos, a partir dos quais será definida sua textura; 8) Com o auxílio de trado holandês efetuar, para cada vertente representativa, a coleta do horizonte B do solo à uma distância aproximada de 30 metros da área úmida; 9) Realizar análise granulométrica dos solos coletados (EMBRAPA, 1997) e definir as suas texturas (LEMOS e SANTOS, 1996); 10) A partir da(s) textura(s) dos solos e da(s) classe(s) de declividade predominante em cada vertente, estabelecer e delimitar a(s) largura(s) do entorno protetivo, conforme valores representados no Quadro 1. O produto final tenderá a ser similar ao representado na Figura 1.

Quadro 1

Quadro extraído da Resolução Conjunta n. 005 IBAMA/SEMA/IAP, com indicação das larguras dos entorno protetivos delimitados na área estudo.

Figura 1

Representação da sub-bacia estudada, da área úmida delimitada e de seu entorno protetivo

Conclusões

Ao se considerar o Código Florestal Brasileiro (BRASIL, 2012), assim como as legislações estaduais e municipais em vigor no país, verifica-se que o estabelecimento de critérios voltados à delimitação das APP’s não denotam quaisquer relações com as especificidades locais do meio físico-biótico. Na realidade adotam-se valores fixos que não permitem a avaliação da garantia de manutenção das funcionalidades ambientais exercidas pelas áreas a serem preservadas. Neste sentido, acredita-se que a Resolução Conjunta no 005 (PARANÁ, 2008) denote significativa evolução teórico-metodológica, por considerar os aspectos geopedológicos da paisagem local, no momento de se estabelecer a faixa de proteção a ser delimitada no entorno das áreas úmidas. Frente ao exposto recomenda-se que a resolução de áreas úmidas do Paraná, seja ampliada para todo o território nacional. Para tanto, sugere-se que o roteiro metodológico aqui proposto seja incorporado à legislação, tornando-a tecnicamente mais acessível.

Agradecimentos

À Maurielle Félix da Silva e ao Luciano Augusto Mysczak pelas contribuições na realização dos levantamentos de campo. À agência de financiamento CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Referências

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