Autores

Figueiredo, M.S. (UFF) ; Rocha, T.B. (UFF) ; Fernandez, G.B. (UFF)

Resumo

Em deltas dominados por ondas normalmente há o desenvolvimento de uma planície adjacente a foz do rio a partir da construção de barreiras arenosas em função do aporte fluvial, o que acaba resultando na progradação da linha de costa. O Complexo Deltaico do Rio Paraíba do Sul (CDRPS) se enquadra na classificação de deltas dominados por ondas e apresenta o amplo domínio de cristas de praia. O distrito de Atafona, na foz deste rio, se encontra sob domínio da ação de processos erosivos. Uma questão que se levanta é se estes processos deixariam registros ao longo de feições essencialmente deposicionais. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é identificar registros de processos erosivos análogos aos atuais na evolução quaternária do CDRPS. Foi realizado um perfil de radar de penetração do solo que revela uma arquitetura deposicional regressiva e uma série de superfícies erosivas que revelam momentos de interrupção da progradação da planície em função da ação da erosão.

Palavras chaves

Deltas dominados por ondas; Cristas de praia; Processos erosivos

Introdução

Deltas podem ser definidos como feições deposicionais de um rio que deságua sob um corpo d'água de menor energia. No caso de áreas costeiras os sedimentos trazidos pelo fluxo fluvial tornam-se disponíveis para serem remobilizados pela ação de ondas, correntes e marés (Vasconcelos et al., 2016). Galloway (1975) propõe um diagrama ternário para auxiliar na classificação de deltas e sugere que eles sejam classificados como dominados por ondas, dominados por marés ou dominados por rios. No caso de deltas dominados por ondas, como o delta do Rio Nilo e o delta do São Francisco por exemplo, normalmente há o desenvolvimento de uma planície adjacente a foz do rio a partir da construção de sucessivas barreiras arenosas em função do aporte sedimentar fluvial disponível para ser retrabalhado pelas ondas, o que acaba resultando na progradação da linha de costa. O Complexo Deltaico do Rio Paraíba do Sul (CDRPS), no litoral norte do estado do Rio de Janeiro, se enquadra na classificação de deltas dominados por ondas e apresenta o amplo domínio de cristas de praia tanto a sul como a norte do curso fluvial, ainda que com características distintas. A planície a norte do delta atual apresenta cristas de praia intercaladas com depressões que formam áreas de brejos enquanto a sul as cristas de praias são sucessivas e apresentam truncamentos (Rocha, 2013; Vasconcelos, 2016). A evolução deste complexo deltaico está diretamente vinculada ao comportamento do Rio Paraíba do Sul e a oscilação do nível do mar durante o Quaternário (Rocha, 2013). Isto significa que estão impressos na paisagem formas e depósitos sedimentares associadas a dinâmica fluvial e a dinâmica marinha, levando ainda em consideração a mudança de orientação da foz do rio, anteriormente posicionada entre Campos e o Cabo de São Tomé e atualmente posicionada no distrito de Atafona, município de São João da Barra (Silva, 1987). O distrito de Atafona é notadamente estudado em função de se encontrar sob domínio da ação dos processos erosivos (Bastos, 1997; Santos, 2006; Fernandez et al., 2008; Rocha et al., 2016). Estes processos são estudados tanto em perspectiva de curta escala temporal, como nos trabalhos que versam a respeito da morfodinâmica e da relação praia-duna, mas também na perspectiva do comportamento evolutivo ao longo do tempo geológico (French e Burningham, 2009). Bastos (1997), ao analisar a morfodinâmica entre Cabiúnas e Atafona no litoral norte fluminense, sugere que fenômenos erosivos podem estar registrados na evolução da planície quaternária. Sendo assim, uma questão que se levanta é se processos erosivos deixariam registros ao longo de feições essencialmente deposicionais, como no caso da planície progradante no delta do Rio Paraíba do Sul. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é identificar registros de processos erosivos análogos aos atuais na evolução quaternária do sistema de cristas de praia no Complexo Deltaico do Rio Paraíba do Sul e também realizar uma estimativa preliminar da duração de um período erosivo em um trecho da referida planície. Para atingir o objetivo proposto foram feitos perfis de georadar (Ground-Penetrating Radar - GPR) com o intuito de examinar a arquitetura sedimentar. Também foram coletadas amostras para datação através do método de Luminescência Opticamente Estimulada (LOE). Considerando que existem diferentes unidades de cristas de praia ao longo da planície, o perfil de GPR selecionado foi feito sob parte das Unidades 2 e 3 e foram coletadas uma amostra para datação por LOE na Unidade 2 e uma na Unidade 3 (Figura 1).

Material e métodos

investigações sobre os depósitos de sedimentos inconsolidados presentes nas planícies costeiras são essenciais na análise da dinâmica e comportamento das formas impressas na paisagem. Para atingir o objetivo proposto foram realizados perfis de Radar de Penetração do Solo (Ground-Penetrating Radar - GPR) tanto no modo common-offset, com antena de 400 MHz para se obter a arquitetura deposicional interna das cristas de praia, como também no modo common-mid- point (CMP), com antena de 80 MHz para se obter o perfil de velocidade da onda eletromagnética. Os dados adquiridos foram processados com o auxílio do software Radan 6.6 em etapas que incluem a remoção da onda aérea, aplicação de filtros (passa-banda) para remoção de ruídos, a aplicação de ganho, a conversão de tempo em profundidade e a correção topográfica. A conversão de tempo em profundidade foi realizada a partir de perfis de velocidade que foram construídos pela realização de uma linha em modo common-mid- point. Estes dados foram processados seguindo as mesmas etapas realizadas nos perfis adquiridos no modo common-offset. A correção topográfica foi possível a partir da aquisição simultânea de dados de topografia com estação total. Foram tomadas informações de distâncias verticais e horizontais em todos os pontos que foram salvos como marks no perfil de radar common-offset. Finalmente as informações resultantes do processamento no software Radan 6.6 foram exportadas para o programa CorelDRAW X6 onde foi realizada a interpretação dos refletores bem como a confecção das seções finais para representação das estruturas mapeadas em subsuperfície nos radargramas. A interpretação dos refletores foi realizada com base em Neal (2004), Neal e Roberts (2001), Bristow e Pucillo (2006), Girardi e Davis (2010), considerando características como continuidade de refletores, relação entre refletores e geometria dos refletores. Foram também coletadas amostras para datação por Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) a partir de trincheiras de 1,5m de profundidade. Tubos de alumínio de 2 metros foram utilizados e o material não entrou em contato com a luz do sol. As amostras, enviadas ao laboratório da empresa Datação, Comércio e Prestação de Serviços LTDA, passaram por um tratamento químico com peróxido de hidrogênio (H2O2), fluoreto de hidrogênio (HF) e cloreto de hidrogênio (HCl) e por peneiramento para selecionar a faixa de 100 - 160 μm com o intuito de obter grãos de quartzo homogêneos sem a presença de metais pesados ou matéria orgânica (Rocha, 2013). As amostras foram divididas em 15 alíquotas cada e submetidas à radiação solar para decaimento residual. Desta porção foram separadas várias amostras para serem irradiadas em várias doses pré-definidas (Gy). Estas devem estar próximas a dose acumulada natural para montagem da curva de calibração (Rocha, 2013). O perfil de GPR selecionado, feito entre as unidades 2 e 3 das cristas, e as respectivas amostras de LOE encontram-se apontados na Figura 1.

Resultado e discussão

Os resultados de radar de penetração do solo (GPR) revelam três conjuntos distintos de radarfácies (Figura 2). A base é marcada pela radarfácie de antepraia (f3) que apresenta como característica refletores em formato convexo e pouco contínuos, típicos da zona de surfe e que marcam irregularidades da remobilização sedimentar de ondas próximas a costa. Acima dos refletores de antepraia encontra-se o predomínio da radarfácie de berma e face praial (f2) com refletores contínuos, paralelos e com mergulho em direção ao oceano que apresentam limite inferior em downlap e limite superior ora em toplap e ora com superfícies erosivas. Na parte superior da linha, acima da radarfácie f2, encontra-se a radarfácie de capeamento eólico (f1), com refletores subparalelos, descontínuos e com limite inferior em downlap. De acordo com o modelo estratigráfico proposto por Kraft e John (1979), barreiras regressivas apresentam, da base para o topo, camada de antepraia soterrada pelos depósitos praiais, que refletem o próprio aumento da feição em direção ao oceano. Buynevich (2006), Bristow e Pucillo (2006), Rodriguez e Meyer (2006), Rocha (2013) são alguns exemplos de trabalhos onde este modelo de fácies, reconhecidos a partir de perfis de GPR, foi identificado. Assim, esta organização de refletores, é compatível a um padrão de progradação que é coerente com a morfologia de cristas de praia da planície deltaica. É importante ressaltar que os refletores identificados se mostram entremeados a uma série de superfícies erosivas, o que revela o registro da ação de processos erosivos durante a evolução quaternária da planície. Rocha et al. (2017), ao examinarem a arquitetura deposicional de cristas de praia no município de Quissamã, já identificaram superfícies erosivas em um padrão regressivo, que remobilizaram sedimentos do pós-praia até a antepraia, mostrando que não raro acontecem interrupções no processo de progradação. Bastos (1997) já identificava a ação de processos erosivos atualmente em curso no distrito de Atafona e uma série de truncamentos entre as cristas de praia. O truncamento entre as unidades 2 e 3 das cristas de praia (Figura 1C) aparece associado a um dos refletores de superfícies erosivas (Figura 2). A existência de refletores de superfícies erosivas, sendo ainda uma delas associada ao truncamento, marca interrupções na progradação da planície. Provavelmente, alguns episódios erosivos de menor impacto ocorrem ao longo do tempo, bem como episódios erosivos de maior impacto, capazes de gerar os truncamentos e dando origem a uma posterior unidade de cristas de praia que apresenta uma orientação levemente distinta da precedente. Nesse sentido, nem toda superfície erosiva registrada em subsuperfície deixa um registro em superfície. Os truncamentos erosivos expostos em superfície provavelmente marcam processos erosivos que chegam a gerar realinhamento da linha de costa (como tem sido observado atualmente o realinhamento de linha de costa entre Atafona e Grussaí). Já as cristas de praia que possuem superfícies erosivas, mas sem truncamentos em superfície, provavelmente marcam “eventos” erosivos, associado a ressaca. Muehe (2011) ao analisar os resultados de até catorze anos de monitoramento topográfico entre Piratininga e Arraial do Cabo, litoral do Rio de Janeiro, traz uma importante discussão a respeito dos processos erosivos significarem uma tendência de retrogradação da linha de costa ou uma resposta a eventos extremos. No caso dos perfis analisados pelo autor os processos erosivos parecem de fato significar uma resposta a eventos de tempestade, já que não houve evidência de deslocamento da linha de costa em direção ao continente e que há uma grande mobilidade na topografia que é coerente com os estágios morfodinâmicos intermediários das praias analisadas. De fato, no caso do trecho da planície costeira analisado neste trabalho, os processos erosivos parecem também serem associados a eventos extremos, considerando que os mesmos permeiam a construção feições deposicionais responsáveis pela progradação da planície. Fernandez et al. (2008) e Rocha et al. (2016) também realizaram monitoramento de perfis topográficos nos distritos de Atafona e de Grussaí e verificam a ação dos processos erosivos até aproximadamente 3km de distância a sul da foz atual (Figura 1A). É interessante notar que os truncamentos existentes entre as unidades de crista de praia não são verificados ao longo de todo o sistema progradante, mas sim aparecem próximos ao curso do rio e apresentam uma extensão bastante compatível aos perfis de tendência erosiva monitorados por estes autores. Com relação às amostras para datação por LOE, retiradas no contato entre os depósitos eólicos e praiais conforme mostra a Figura 2, os resultados apontam a LOE 03 com 1420 +- 340 anos A.P. e a LOE 04 com 1320 +- 200 anos A.P. (Figura 1). Considerando as idades obtidas e que as amostras foram retiradas de unidades de cristas de praia distintas, é possível supor que o período de erosão responsável pela origem do truncamento entre as unidades 2 e 3 das cristas tem, aproximadamente, uma duração na escala de século.

Figura 1

(A) Borda meridional do CDRPS, cristas de praia e perfis em erosão, estabilidade ou acreção (Rocha et al., 2016)(C) Perfil GPR01 e amostras LOE

Figura 2

Radargrama do Perfil GPR01 e localização das amostras LOE03 e LOE04.

Considerações Finais

Os resultados obtidos mostraram uma arquitetura deposicional com um conjunto de radarfácies característico de barreiras regressivas, correspondente a morfologia das cristas de praia. A existência de superfícies erosivas entremeadas aos depósitos praiais se configura como um registro de episódios pretéritos de erosão ao longo da progradação da planície que, de acordo com as datações obtidas, podem ter uma duração aproximada por volta de um século entre a geração de unidades de cristas de praia distintas. Neste sentido, as superfícies erosivas encontradas ao longo do perfil GPR01 podem significar um registro de processos erosivos na evolução quaternária do sistema de cristas de praia no Complexo Deltaico do Rio Paraíba do Sul análogos aos atuais que ocorrem no distrito de Atafona.

Agradecimentos

Referências

BASTOS, A. C. Análise morfodinâmica e caracterização dos processos erosivos ao longo do litoral norte fluminense, entre Cabiúnas e Atafona.Dissertação de Mestrado. Pós-Graduação em Geologia e Geofísica Marinha, Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, 133p, 1997.
BRISTOW, C.S. & PUCILLO, K. Quantifying rates of coastal progradation from sediment volume using GPR and OSL: the Holocene fill off Guichen Bay, South-east South Australia. Sedimentology, n.53, p.769-788, 2006.
BUYNEVICH, I. V. Coastal Environmental Changes Revealed in Geophysical Images of Nantucket Island, Massachusetts, U.S.A. Environmental & Engineering Geoscience, 3: 227-234, 2006.
FERNANDEZ, G.B.; ROCHA, T. B.; PEREIRA, T. G.; VASCONCELOS, S. C. Modelo Morfológico da Origem e Evolução das Dunas na Foz do Rio Paraíba do Sul,RJ. IN: VII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA E II ENCONTRO LATINO-AMERICANO DE GEOMORFOLOGIA, Anais... Belo Horizonte, 2008.
FRENCH, J. R.; BURNINGHAM, H. Coastal geomorphology: trends and challenges. Progress in Physical Geography 33(1) p. 117–129, 2009.
GALLOWAY, W. E. Process framework for describing the morphologic and stratigraphic evolution of delta depositional systems.In: BROUSSARD, M. L (Ed.), Deltas: Models for Exploration. Houston Geological Society, Houston, p. 87–98, 1975.
GIRARDI, J. & DAVIS, D.M. Parabolic dune reactivation and migration at Napeague, NY, USA: Insights from aerial and GPR imagery. Geomorphology, n.114, p.530–541, 2010.
MUEHE, D. Erosão Costeira - Tendência ou Eventos Extremos? O Litoral entre Rio de Janeiro e Cabo Frio, Brasil. Revista da Gestão Costeira Integrada 11(3):315-325, 2011.
NEAL, A. Ground-penetrating radar and its use in sedimentology: principles, problems and progress. Earth-Science Reviews, 66: 261-330, 2004.
NEAL, A. & Roberts, C.L. Applications of Ground-Penetrating Radar (GPR) to sedimentological, geomorphological and geoarchaeological studies in coastal environments. In: PYE, K. & ALLEN, J.R.L. (Eds.). Coastal and Estuarine Environments: Sedimentology, Geomorphology and Geoarchaeology. Geol. Soc. London Spec. Publ. 175, p.139-171, 2001.
ROCHA, T. B. A planície costeira meridional do complexo deltaico do rio Paraíba do Sul (RJ): arquitetura deposicional e evolução da paisagem durante o Quaternário Tardio. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia, Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 178p, 2013.
ROCHA, T.B.; MACHADO, B. A.; SILVA, J. C.; PEREIRA, T.G; FERNANDEZ, G.B. Interação entre praia e duna frontal no delta do rio Paraíba do Sul (RJ) a partir de uma década de monitoramento. In: XI SINAGEO, 2016, Maringá - PR. XI SINAGEO, 2016.
ROCHA, T. B.; FERNANDEZ, G. B.; RODRIGUES, A. Registros de erosão e progradação revelados por radar de penetração do solo (GPR) na barreira regressiva pleistocênica do complexo deltaico do Rio Paraíba do Sul (RJ). Quaternary and Environmental Geosciences 08(1):24-37, 2017.
RODRIGUEZ, A. B.; MEYER, C. T. Sea-level variation during the Holocene deduced from the morphologic and stratigraphic evolution of Morgan Peninsula, Alabama, U.S.A. Journal of Sedimentary Research, 76: 257-269, 2006.
SANTOS, R. A. Processos de Erosão e Progradação entre as praias de Atafona e Grussaí - RJ. Monografia de Graduação. Departamento de Geografia, Universidade Federal Fluminense, 36p, 2006.
SILVA, C. G. Estudo da evolução geológica e geomorfológica da região da Lagoa Feia, RJ. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Geologia, Departamento de Geologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 116p, 1987.
VASCONCELOS, S. C.; ROCHA, T. B.; PEREIRA, T. G.; ALVES, A. R.; FERNANDEZ, G. B. Gênese e morfodinâmica das barreiras arenosas no flanco norte do Delta do Rio Paraíba do Sul (RJ). Revista Brasileira de Geomorfologia v. 17, no 3, 2016.