Autores
Botelho, R.G.M. (IBGE)
Resumo
Ainda são poucos os pesquisadores dedicados a estudar e divulgar a geodiversidade, com a consciência do que ela significa para a comunidade científica e para sociedade. É interessante notar que a biodiversidade, “conceito irmã”, encontra-se bem enraizada nos meios científicos, políticos e ambientais e amparada legalmente, por instituição nacional responsável inclusive pela avaliação do risco de extinção da fauna brasileira. Entretanto, as medidas de proteção da geodiversidade encontram-se aquém das existentes para a biodiversidade. A geoconservação é área nova, a ser incorporada ao cotidiano dos cientistas da natureza, dos políticos, gestores e da sociedade. Nesse contexto, objetiva-se apresentar e discutir o conceito de geoextinção, assim como o reconhecimento da geodiversidade, ao qual o mesmo está associado, e de suas múltiplas funções e valores para o Homem e a vida na Terra, munindo a comunidade geocientífica de mais subsídio para valorização da geodiversidade e da geoconservação.
Palavras chaves
geoextinção; geodiversidade ; geoconservação
Introdução
O conceito de geodiversidade é ainda recente no Brasil e no Mundo. Ainda são poucos os pesquisadores que se dedicam a estudar e divulgar a geodiversidade do planeta, com a consciência do que ela significa e representa para a comunidade científica e para a sociedade em geral. É interessante notar que a biodiversidade, seu “conceito irmã”, encontra-se bem divulgada e enraizada nos discursos científicos, políticos e ambientais. Numa rápida pesquisa na internet, por meio de um buscador, considerando os dois termos separadamente, verificou-se 6.030.000 resultados para biodiversidade e 71.800 para geodiversidade (Google, 17/10/2017), revelando a grande diferença de incorporação deste último termo em diferentes áreas do conhecimento e da comunicação. A geodiversidade é o contraponto da biodiversidade, sem ser oposta a ela, mas sim paralela e complementar. Ambas se completam e se inter-relacionam ininterruptamente. Ainda mais recente é o reconhecimento da necessidade de valorização da geodiversidade e sua efetiva proteção por meio legais, tal como ocorre com a biodiversidade, amparada legalmente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), criados, em última análise, para proteger espécies animais e vegetais, em especial endêmicas, de grande valor, raras ou em perigos de extinção. O próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA), ao qual o ICMBio está atrelado, é o responsável, a partir do Decreto 5.092 de 21 de maio de 2004, por definir as regras para identificação de áreas prioritárias para conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade. Além disso, o ICMBio também realiza a avaliação nacional do risco de extinção da fauna brasileira, o que resulta periodicamente na divulgação da Lista Nacional Oficial das Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção, cuja primeira publicação ocorreu há em 1968. Por outro lado, as medidas de proteção da geodiversidade no Brasil encontram-se muito aquém daquelas existentes para a biodiversidade. A geoconservação é ainda área nova, a ser incorporada ao cotidiano, não apenas dos cientistas da natureza, mas dos políticos, gestores e da sociedade em geral. Nesse contexto, objetiva-se apresentar e discutir aqui o conceito de geoextinção, assim como o reconhecimento da geodiversidade, ao qual o mesmo está associado, e de suas múltiplas funções e valores para a humanidade e a vida na Terra. Dessa forma, pretende-se munir, notadamente a comunidade geocientífica de mais um subsídio para valorização da geodiversidade e, principalmente, da sua proteção ou Geoconservação.
Material e métodos
A fim de apresentar o novo conceito de geoextinção, buscou-se inicialmente a verificação da existência prévia do termo ou sua menção em trabalhos científicos, artigos, monografias, dissertações, teses ou mesmo na mídia, por meio de um buscador na internet (Google) em dois momentos, em 24/10/2017 e em 10/12/2017. Também foi feita a pesquisa do termo em inglês “geoextinction” em 10/12/17. Procedeu-se a leitura de bibliografia técnico científica (livros e artigos) para revisão teórico-conceitual envolvendo geodiversidade e geoconservação, notadamente de autores consagrados. A partir daí, formulou-se o conceito de geoextinção, com o cuidado de distingui-lo daquele que se prefere chamar de bioextinção (extinção de espécies). Como trabalho intelectual e conceitual que é e, ainda, de caráter inovador, os processos de revisão e leitura têm sido constantes e sua apresentação à academia em eventos científicos que reúnam geocientístas também constitui método para sua discussão, adequação e consolidação.
Resultado e discussão
O uso do termo geodiversidade foi debatido pela primeira vez em 1993 na 
Conferência de Malvern (Reino Unido) sobre Conservação Geológica e 
Paisagística e foi oficialmente adotado em 1996 pela Australian Natural 
Heritage Charter (GRAY, 2004). No Brasil, Veiga (1999) utilizou o termo 
geodiversidade como diversidade geológica, enquanto Xavier da Silva e 
Carvalho Filho (2001) o associaram ao planejamento territorial e o definiram 
como a “variabilidade das características ambientais de uma determinada área 
geográfica”.
A geodiversidade foi definida pela Royal Society for Nature Conservation do 
Reino Unido como a “variedade de ambientes geológicos, fenômenos e processos 
ativos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros 
depósitos superficiais que são o suporte para a vida na Terra” (BRILHA, 
2005). Gray (2008) apresenta uma definição simples e objetiva, afirmando que 
a “geodiversidade é o equivalente abiótico da biodiversidade”.
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2006) definiu geodiversidade como “a 
natureza abiótica (meio físico) constituída por uma variedade de ambientes, 
fenômenos e processos geológicos que dão origem às paisagens, rochas, 
minerais, solos, águas, fósseis, e outros depósitos superficiais que 
propiciam o desenvolvimento da vida na Terra, tendo como valores intrínsecos 
a cultura, o estético, o econômico, científico, o educativo e o turístico”.
 Assim, a geodiversidade compreende a variedade de elementos geológicos (no 
seu sentido mais amplo), compreendendo não somente rochas, minerais e 
fósseis, mas também os demais elementos abióticos dos sistemas naturais 
(relevo, solos, rios, lagos, lagoas, geleiras etc.), carregados de 
significado, que representam a materialização de processos de formação 
diversos em diferentes escalas, no tempo e no espaço, e que suportam a vida 
e funcionam como substrato e matéria-prima para o desenvolvimento humano. 
Estão incluídos também como geodiversidade, os elementos e acervos guardados 
e em exibição em universidades, museus e exposições, denominados por Brilha 
(2015) elementos ex situ.
Apreendido o conceito de geodiversidade, é fundamental discutir seu valor. A 
conservação de todo elemento da geodiversidade não é factível, por isso seu 
(re)conhecimento é essencial para proteger a parte considerada de maior 
valor. Atribuir o devido valor à geodiversidade talvez seja uma das questões 
mais difíceis para o geocientista, por ser tarefa inerentemente carregada de 
certa subjetividade. Brilha (2015) afirma que os elementos da geodiversidade 
que constituem patrimônio geológico e, portanto, passiveis de serem 
protegidos (geoconservação) são aqueles carregados de valor científico, além 
de outros que possam também estar presentes. Dentre esses valores, citam-se: 
o intrínseco ou de existência; cultural (folclórico, mitológico, 
arqueológico, histórico, espiritual, de pertencimento etc.); estético (lazer 
e arte); econômico; funcional; ecológico; educativo; e comercial.
O valor da geodiversidade também está apoiado nas suas múltiplas funções e 
na influência sobre a vida das pessoas e sobre a própria Natureza e pode 
estar atrelado a diferentes escalas, excludentes ou não: internacional, 
nacional, regional e local.
Em geral, o maior valor funcional, econômico e comercial de certos elementos 
ou conjunto de elementos da geodiversidade imprime aos mesmos um elevado 
grau de ameaças de origem antrópica.
É fato que a geodiversidade está ameaçada também por fenômenos naturais, 
como intemperismo, erosão, sedimentação e tectônica, mas é sobre os demais 
que a sociedade tem responsabilidades. A exploração de recursos geológicos, 
o desenvolvimento de obras e estruturas (barragens, loteamentos, aterros 
etc.), desmatamento, agricultura, atividades militares, recreativas e 
turísticas e o analfabetismo cultural são algumas causas da degradação do 
patrimônio geológico ou até da sua extinção. Nesse contexto, insere-se o 
conceito de geoextinção, cuja importância ainda não está devidamente 
reconhecida.
Na busca pelo conceito e pelo termo geoextinção, nenhum registro foi 
encontrado. Assim, acredita-se que a primeira vez que o termo foi 
apresentado à sociedade científica se deu em palestra proferida no Seminário 
Regional Verde Urbano no Semiárido (BOTELHO, 2017), realizado na 
Universidade do Estado da Bahia - Juazeiro. Posteriormente, em pesquisa 
considerando o termo “geoextinction”, sete registros foram encontrados, 
sendo quatro referentes a três artigos científicos sobre a extinção em massa 
ou megaextinção que marcou o desaparecimento na Terra dos dinossauros, 
repteis marinhos e voadores, grandes mamíferos e algumas espécies da flora 
no final do Cretáceo (BELL, 1980; 1982; 1984).
A geoextinção pode ser definida com a destruição total ou o desaparecimento 
da paisagem de um ou mais elementos da geodivesidade. Nesse ponto, difere da 
bioextinção, focada no desaparecimento de uma determinada espécie. A 
geoextinção pode se aplicar a apenas um elemento da geodiversidade, na 
medida em que seu desaparecimento implica na reconfiguração imediata da 
paisagem onde ele se encontrava. Vale lembrar que, como ser abiótico, não 
possui a capacidade de reprodução dos serres vivos; e seu tempo de formação 
é na maioria das vezes em escala geológica. Nesse sentido, a geoextinção 
pode ganhar ares mais emergenciais do que a bioextinção.
A geoextinção é ainda mais grave quando os elementos da geodiversidade 
constituem geopatromônios. A geoextinção, assim como a bioextinção pode se 
dar por causas naturais ou por ação humana. No primeiro caso, menciona-se, 
como exemplo, o desaparecimento da ilha que abrigava o vulcão Krakatoa, na 
Indonésia, quando da sua erupção em 1883. A geoextinção por fenômenos 
naturais é mais facilmente identificada quando está relacionada a eventos de 
grande magnitude, como vulcanismo e tectonismo, também responsáveis pela 
formação de novos elementos da geodiversidade (rochas, estruturas 
geológicas, geoformas, paisagens etc.). A própria ilha de Krakatoa está 
ressurgindo (Figura 1), com nova configuração, que está sendo chamada de 
“Anak Krakatau” - o filho de Krakatoa (BERNETO, 2017). No caso dos processos 
de erosão e sedimentação, que, em geral, ocorrem em menor velocidade ao 
longo do tempo, é bastante difícil, nos dias atuais, dissociá-los da ação 
humana.
	A geoextinção por origem antrópica tem sido mais ampla na escala 
espacial. São exemplos a extinção de serras e geoformas pela extração 
mineral; a própria extinção de minérios, explorados até serem exauridos; e 
as obras de drenagem (retificações, desvios e confinamento em galerias 
subterrâneas), eliminando meandros e cursos de água da paisagem.
Um exemplo de geoextinção no Brasil que data do início do século XX foi o 
desmonte dos morros do Senado, Castelo, Santo Antônio e São Bento, que 
marcavam a paisagem da entrada da Baía da Guanabara na cidade do Rio de 
Janeiro para a realização dos aterros do Centro e parte da Zona Sul (Figuras 
2 e 3). Os dois primeiros desapareceram da paisagem e os outros foram 
reduzidos a pequenas elevações remanescentes.
Talvez o exemplo mais emblemático da geoexinção no Brasil seja o 
desaparecimento das Setes Quedas no rio Paraná, devido ao enchimento do lago 
da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Tiveram lugar manifestações da sociedade e 
até um acidente com 32 vítimas fatais, causado pelo rompimento de uma das 
pontes de visitação, que aumentou com a morte anunciada desse geopatrimônio 
e atração turística consagrada. Seu sepultamento se deu em 27 de outubro de 
1982 e comoveu  o país (Figura 4).
Nesse contexto, o ilustre poeta Carlos Drummond de Andrade, que recebeu a 
alcunha de poeta da Geoextinção (BOTELHO, 2017), expressa sua inconformidade  
no poema “Adeus a Sete Quedas”, que diz: (...) “Sete quedas por nós 
passaram, / e não soubemos, ah, não soubemos amá-las, / e todas sete foram 
mortas, / e todas sete somem no ar, / sete fantasmas, sete crimes / dos 
vivos golpeando a vida / que nunca mais renascerá.” (JB, 09/09/1982 in 
MACHADO, 2002).

Figura 1. Imagem de satélite do Anak Krakatau (ao centro) em 18/05/1992. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Krakatoa#/media/F ile:Landsat_krakatau_18

Paisagem do centro do Rio de Janeiro no início do século XX. Morro do Castelo à esquerda. Foto: Augusto Malta. Fonte: http://www.riodejaneiroaqui.com/

Escavadeiras trabalhando no desmonte do morro do Castelo no Rio de Janeiro. Foto: A. Malta. Fonte: https://infograficos.oglobo.globo.com/rio/caste lo

Lago de Itaipu que extinguiu Sete Quedas, com suas partes altas expostas. Foto: Wanderley Duck. Fonte: http://eldorado.estadao.com.br/blogs/cidades/
Considerações Finais
O ineditismo do termo geoextinção com acepção na geoconservação no Brasil e no mundo até o ano de 2017 leva à reflexão de que ainda é necessário reconhecer e divulgar mais intensamente a geodiversidade, conceito bem definido nas Geociências. Talvez o fato mais importante na apresentação e conceituação da geoextinção seja alertar para a necessidade da proteção dos elementos da geodiversidade, assim como ocorre com a biodiversidade. Não apenas a bioextinção deve ser alvo de preocupação, pesquisas e programas conservacionistas. É fato que para a sobrevivência e desenvolvimento das sociedades ao longo do tempo, muito da geodiversidade foi perdido. Contudo, a questão que se impõe é o quanto e o que dela ainda será permitido extinguir. Nesse sentido, é fundamental identificar, inventariar e mapear lugares de interesse geológico ou geossítios para estabelecer bases para geoconservação, na busca por uma equação mais equilibrada de Conservação da Natureza, historicamente mais voltada à preservação e conservação da biodiversidade. A Conservação da Natureza inclui não apenas a conservação da biodiversidade, mas também da geodiversidade. É preciso elevar esta última ao mesmo nível de importância da primeira, fortalecendo, por exemplo a atuação da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), dando-lhe respaldo legal, e apoiando a criação de áreas de proteção e unidades de conservação com base nos elementos da geodiversidade, evitando-se, assim, a geoextinção.
Agradecimentos
Referências
BELL, P. M. Meteorites and geoextinction. Eos, Transactions American Geophysical Union, Volume 61, Issue 19, 1980. p. 452.
BELL, P. M. Asteroid impact and mass extinction. EOS Transactions. 63. 1982, p. 141.
BELL, P. M. Iridium at Kilauea. EOS Transactions. 1984, p. 65
BERNETO, A. A incrível explosão do Krakatoa. Revista Leituras da História. ed. 55. 2017. Disponível em: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/a-incrivel-explosao-do-krakatoa/. Acesso em: 5 de out. 2017.
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BRILHA, J. B. R. Património Geológico e Geoconservação. A conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage, Braga. 2005, 190p.
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