Autores

Lima, G.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; Moreira de Freitas, P.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; Gomes Goulart, A.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS) ; Bueno, G.T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS)

Resumo

O Estado de Goiás é uma área de dispersão de cursos d’água em escala continental, o que evidencia a importância de se conhecer as bacias hidrográficas que o compõem. Assim, este trabalho buscou compreender os fatores responsáveis pelas diferenças do relevo e da paisagem entre duas bacias vizinhas que convergem seus fluxos para sentidos opostos: Rio Oliveira Costa, bacia do Tocantins e Rio Corumbá, bacia do Paraná. Para sua elaboração, realizou-se visita de campo e foram obtidas características físicas e morfométricas das bacias em ambiente SIG, relacionados à hidrologia, geologia e geomorfologia destas. O método utilizado resultou em um valor de densidade de drenagem maior na primeira bacia, que se associa às características hidrológicas, do relevo e a um controle lito-estrutural forte, promovendo um funcionamento distinto em relação à segunda. Constatou-se, também, que o gradiente altimétrico do canal do rio Corumbá é menor que o do rio Oliveira Costa, devido a presença de uma soleira

Palavras chaves

Hidrografia; Morfometria de bacia; Dissecação

Introdução

A região central do Estado de Goiás é conhecida por conter importantes divisores de água em escala continental. Na área de estudos, encontram-se as nascentes o Rio Oliveira Costa, pertencente à bacia do Rio Tocantins e escoando para o norte, e as nascentes do Rio Corumbá, pertencente à bacia do Rio Paraná e escoando para o sul. Apesar das bacias hidrográficas em questão serem vizinhas e encontrarem inseridas sobre uma mesma formação geológica, as áreas drenadas por elas apresentam paisagem muito distinta em termos de densidade fluvial, dissecação do relevo e tipos de solo dominantes, o que implica em diferentes atividades econômicas e formas de ocupação e uso do solo nas duas bacias. O estudo dos parâmetros morfométricos é fundamental para caracterização das bacias, principalmente quando se analisa a relação das características geomorfológicas e geológicas associadas ao relevo e à rede de drenagem, pois as características fisiográficas da bacia influenciam na dinâmica dos processos morfogenéticos e na evolução da esculturação das paisagens terrestres (PASSARELA, 2016). Além disto, a análise dos parâmetros morfométricos permite uma avaliação sistemática dos aspectos físicos, e um melhor entendimento da dinâmica dos recursos inseridos na bacia hidrográfica (FREIRE, LAGE e CHRISTÓFARO, 2013). Neste sentido, a morfometria fluvial, associada à geologia local, influenciam nos parâmetros da rede de drenagem, permitindo associá-las aos diferentes fenômenos que ocorrem na bacia, como os processos erosivos e o escoamento superficial, por exemplo. Com isso, o presente trabalho buscou compreender a razão das diferenças de relevo e da paisagem entre duas bacias hidrográficas vizinhas: a bacia do alto Rio Corumbá (afluente do Rio Paraná) e a bacia do alto Rio Oliveira Costa (afluente do Rio Tocantins). Por fim, buscou-se a confirmação dos dados elaborados referentes ao relevo, aos padrões de drenagem e também à geologia das bacias, através de ambiente SIG e de visita de campo, o que possibilitou a caracterização das bacias, como também a obtenção de dados referentes à densidade de drenagem das mesmas.

Material e métodos

A área de estudo abrange a Alta bacia do Rio Corumbá, nos municípios de Pirenópolis, Cocalzinho de Goiás e Corumbá de Goiás(Alta bacia do Rio Corumbá), e a Alta bacia do Rio Oliveira Costa, no município de Cocalzinho de Goiás. Estas bacias encontram-se na unidade geomorfológica do Planalto Central Goiano, na subunidade do Planalto do Alto Tocantins-Paranaíba, onde estão sobre litologias deposicionias do Grupo Araxá (micaxistos e quartzitos) e da Formação Canastra (quartzitos, filitos e xistos) (NASCIMENTO, 1992) (Figura 1). Na alta bacia do rio Corumbá há predomínio de dois tipos de rochas do Grupo Canastra da Formação Chapada dos Pilões, os filitos e os quartzitos (Figura 1). Além destas rochas, encontram-se na bacia, em menor proporção, coberturas detrito-lateríticas ferruginosas nas porções leste, oeste e sul , e também, metabasaltos e ultramáfico metaperioditos da sequência Rio do Peixe, na porção central. Nota-se que os filitos têm abrangência espacial similar com os quartzitos. Percebe-se também que as menores declividades encontram-se sobre os filitos, enquanto as maiores estão sobre os quartzitos. Sobre à geologia da alta bacia do rio Oliveira Costa, nota-se o predomínio dos filitos do Grupo Canastra da Formação Chapada dos Pilões sobre quase toda sua área. Rochas como quartzito, no sul da bacia, e os calcixistos da porção leste, também se fazem presentes, mas em menor proporção. Assim, percebe-se que nesta bacia os relevos ondulados e forte ondulados encontram- se sobre os filitos, assim como as porções mais elevadas encontram-se sobre os quartzitos. Em contrapartida, as porções mais baixas e planas, na porção nordeste, desenvolvem-se sobre os calcixistos. Do ponto de vista hidrográfico, a área de estudo corresponde a um divisor de águas de magnitude continental, onde a drenagem do Norte vincula-se à Bacia Amazônica (Alta bacia do Rio Oliveira Costa) e a do Sul à Bacia do Paraná- Uruguai (Alta bacia do Rio Corumbá). A alta bacia do Rio Corumbá apresenta o rio Corumbá como canal principal(38,34 km), que possui suas nascentes na Serra dos Pirineus a uma altitude de aproximadamente 1200m. O rio Corumbá corresponde ao segundo mais importante afluente do rio Paranaíba(PAIVA, 1982). Além disso, possui o ribeirão Rasgão, córrego da Prata, córrego Água Fria, córrego Cocalzinho, córrego da Serra, córrego João Gomes, córrego São Domingos, córrego José Alves, como principais afluentes. A alta bacia do Rio Oliveira Costa integra a bacia do rio Maranhão que compõe a Bacia Hidrográfica do Tocantins. Esta bacia apresenta o rio Oliveira Costa como canal principal (37,62 km), e é composta pelo córrego Buriti, córrego Catuni, córrego Preto, córrego Quilombo da Paineira, córrego Fundão e outros afluentes. Conforme Köppen (1948) é possível verificar duas estações bem definidas na região, uma seca durante o outono e o inverno, e outra úmida, com chuvas torrenciais no período da primavera e do verão. As análises morfométricas foram obtidas através de imagens de Modelo Digital de Elevação (MDE), utilizando as imagens do sistema orbital ALOS PALSAR, do ano de 2011. A delimitação das bacias hidrográficas em questão foram realizadas no software ArcGis com auxílio de imagens de alta resolução disponibilizadas pelo Google Earth. A rede de drenagem foi refinada na escala de 1:5000, pela Base Cartográfica Contínua do Estado de Goiás, fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As variáveis morfométricas utilizadas na análise das bacia foram: área, densidade de drenagem, comprimento total dos canais, altimetria e declividade. Para a obtenção dos valores de densidade de drenagem, seguiu-se o que foi determinado por Horton (1945) citado por Christofoletti (1980), onde Dd=Lt/ A, sendo Dd correspondente à densidade de drenagem, Lt ao comprimento total dos canais e A à área da bacia. Sobre os valores da densidade de drenagem e declividade, estes foram classificados segundo Beltrame (1994) e Embrapa (1989), respectivamente.

Resultado e discussão

A alta bacia do rio Corumbá, com uma área de 227,81 km², apresenta um total de 266,08 km de extensão de seus canais, distribuídos em 344 canais de drenagem. Com estes valores, obteve-se uma densidade de drenagem de 1,16 km/km². A alta bacia do rio Oliveira Costa apresenta uma área equivalente 187,42 km², com um total de 724,90 km de extensão de seus canais, distribuídos em 1698 canais de drenagem. Com estes valores, foi possível obter uma densidade de drenagem equivalente a 3,86 km/km².. Percebe-se que a densidade de drenagem no rio Corumbá é inferior em relação à densidade de drenagem da alta bacia do rio Oliveira Costa. Considerando os aspectos hidrológicos, isto se explica pelo fato da área ser maior e possuir um valor menor referente à extensão total de seus canais, em comparação com a segunda. Assim, conforme a classificação de Beltrame (1994), a alta bacia do rio Corumbá, por apresentar densidade de drenagem de 1,16 km/km², apresenta uma densidade de drenagem mediana, enquanto a alta bacia do Rio Oliveira Costa, com valor equivalente a 3,86 km/km², apresenta densidade de drenagem muito alta. É possível associar o valor densidade de drenagem da alta bacia do rio Oliveira Costa com sua litologia dominante (filitos), que possivelmente, é responsável por uma menor taxa de infiltração local e por um maior volume e velocidade da água, que é escoada superficialmente em comparação com a alta bacia do rio Corumbá, acarretando assim em um número maior do comprimento total dos canais de drenagem. Além disto, é importante destacar que a composição mineralógica destas rochas é basicamente a mesma, diferenciando- se pela porcentagem de quartzo e filossilicatos. Quantitativamente, a contribuição de quartzo situa-se em torno de 20% para os filitos e de 20 a 50% para os quartzos filitos (PEREIRA, 1994). Com isso, podemos relacionar uma probabilidade erosiva distinta entre os dois litotipos em função da quantidade de filossilicatos e de quartzo serem fatores de influência na resistência das rochas perante os processos erosivos. Em relação às características do relevo da alta bacia do rio Corumbá, é possível observar que esta possui uma amplitude altimétrica de 425 m, sendo seu ponto mais baixo igual a 936 m, e o ponto mais alto igual a 1.361 m (Figura 2). Sobre as características do relevo da alta bacia do rio Oliveira Costa, percebe-se uma amplitude altimétrica de 571 m, sendo seu ponto mais baixo equivalente a 670 m, e o ponto mais alto a 1.241 m . Isso mostra que, apesar de ter sua nascente em altitude inferior àquela do Rio Corumbá, a amplitude altimétrica na bacia do Rio Oliveira Costa é muito maior que a do primeiro, pois seu exutório se encontra em altitude bastante inferior à altitude daquele. Sobre a declividade da alta bacia do rio Corumbá , nota-se o predomínio de valores entre 0 a 20%. Porém, observa-se também, em menor proporção, declividades mais acentuadas na porção central da bacia, variando de 20% até maiores que 75%. Estes valores demonstram que a maioria do relevo da bacia apresenta características plana, suave ondulado e ondulado, com ocorrência em menor proporção, de relevo montanhoso e forte montanhoso. Já na declividade da alta bacia do rio Oliveira Costa, percebe-se o predomínio de uma declividade que varia, principalmente, de 20% a maior que 75%. Desta maneira, o relevo nesta bacia varia, predominantemente, de ondulado a forte ondulado. Além disto, em menor proporção, é encontrada declividade com índices tanto mais elevados, principalmente na porção oeste, como inferiores, na porção leste e sul, que variam de 45 a 75%, e de 0 a 8%, respectivamente. Desta maneira, percebe-se que a alta bacia do Rio Oliveira Costa apresenta um relevo mais ondulado e montanhoso acidentado do que a alta bacia do Rio Corumbá, que apresenta um relevo predominantemente plano. Isto se dá pelo fato da primeira bacia possuir uma taxa menor de infiltração em comparação com a segunda, que aumenta o volume e velocidade da água escoada em superfície, favorecendo assim, a dissecação da paisagem. Já segunda bacia, com uma taxa de infiltração maior em comparação com a primeira, que reduz o volume e a velocidade da água que escoa em superfície, diminui a intensidade da dissecação do relevo, e favorecendo uma paisagem plana. Analisando os perfis longitudinais dos canais principais das duas bacias (Figura 1), nota-se que o rio Oliveira Costa apresenta gradiente fluvial muito mais acentuado do que o do rio Corumbá, já que o primeiro está associado a um nível de base em altimetria bastante inferior ao do rio Corumbá. Ainda, a ocorrência de uma soleira quartzítica na alta bacia do rio Corumbá (Salto do Corumbá) (Figura 1) provoca um “represamento” do trecho a montante deste obstáculo. Na alta bacia do rio Corumbá, as áreas de deposição estão presentes desde as partes mais altas, a montante da soleira do salto do Corumbá, por exemplo, até nas partes mais a jusante. Em relação à soleira do salto do Corumbá, esta encontra-se sobre o quartzito do Grupo Canastra da Formação Chapada dos Pilões, em uma altitude de aproximadamente 994 m , que devido a sua maior resistência ao intemperismo e à erosão, sustenta as partes mais altas. Já na alta bacia do rio Oliveira Costa, percebe-se um relevo mais dissecado em comparação com a bacia anterior, o que possivelmente associa-se à litologia menos resistente, à ausência de soleiras litológicas significativas e ao maior gradiente fluvial. Assim, nota-se que as diferenças altimétricas indicam dinâmicas distintas no que diz respeito à energia do relevo, por exemplo, onde áreas mais altas apresentam características de dissecação, e áreas mais baixas de deposição. Desta maneira, o alto valor da densidade de drenagem associado à declividade elevada da alta bacia do rio Oliveira, proporciona uma maior intensidade erosiva em comparação com a alta bacia do rio Corumbá, favorecendo a elaboração de uma paisagem mais dissecada na primeira, e mais plana na segunda bacia.

Figura 1

Mapa de geologia das bacias estudadas

Figura 2

Mapa altimétrico das bacias estudadas

Figura 3

Mapa de declividade das bacias estudas

Figura 4

Perfis longitudinais dos canais principais das bacias estudadas.

Considerações Finais

Nota-se que as bacias apresentam características físiográficas distintas que influenciam na dinâmica e no comportamento dos processos que produzem suas paisagens. Assim, as diferenças na paisagem entre as bacias são influenciadas por fatores hidrográficos e geológicos. Sobre os aspectos hidrográficos, nota-se que a bacia do rio Oliveira Costa está conectada a um nível de base altimetricamente inferior que o bacia do rio Corumbá, o que faz com que a primeira tenha um gradiente altimétrico ao longo do canal principal mais forte que a segunda, resultando em um maior potencial erosivo do rio Oliveira Costa. Ainda, a soleira litológica presente ao longo do canal do rio Corumbá funciona como um obstáculo à incisão fluvial, preservando da dissecação a área da bacia situada a montante deste obstáculo, possibilitando, ali, a permanência do relevo mais plano. Já os aspectos geológicos, conclui-se que o valor superior de densidade de drenagem da bacia do rio Oliveira Costa está associado também à sua litologia, que favorece uma menor taxa de infiltração local e um maior volume de água escoada superficialmente em comparação com a bacia do rio Corumbá, favorecendo um número maior no comprimento total dos canais de drenagem, e elevando o seu potencial erosivo. Portanto, as características físicas como a área, densidade de drenagem, geologia e as características do relevo das bacias influenciam suas formações e composições paisagísticas, promovendo um comportamento distinto entre elas.

Agradecimentos

Referências

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