• 14° SINAGEO – Simpósio Nacional de Geomorfologia
  • Corumbá / MS
  • 24 a 30 de Agosto de 2023

GEOMORFOSSÍTIOS FLUVIAIS DO GEOPARQUE CAMINHOS DOS CÂNIONS DO SUL

Autores

  • YASMIM RIZZOLLI FONTANA DOS SANTOSUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAEmail: yasmimfontana.geo@gmail.com
  • JAIRO VALDATIUNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINAEmail: jairo.valdati@udesc.br
  • MARIA CAROLINA VILLAÇA GOMESUNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEmail: maria.carolina.gomes@uerj.br

Resumo

O geopatrimônio do Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul (GCCS) tem pontecialidades em diversos aspectos. O objetivo deste trabalho é apresentar geomorfossítios que representam as potencialidades do geopatrimônio fluvial deste geoparque. Geomorfossítios fluviais consistem em formas originadas pela dinâmica fluvial e que podem ser atribuídos valores patrimoniais. Dentre as cinco unidades geomorfológicas encontradas neste território, a unidade Colúvio- aluvionar é a base para a identificação desses sítios, dado que tem maior influência deste tipo de processo e tem a particularidade de estar em contato com a Escarpa da Serra Geral. Dois sítios foram reconhecidos e descritos por caracterizarem a unidade e os processos fluviais atuais e pretéritos do GCCS, abrangendo terraços e canais entrelaçados.

Palavras chaves

Patrimônio geomorfológico; Geossítios; Geodiversidade; Dinâmica fluvial; Geopatrimônio

Introdução

A geodiversidade compreende a variedade de elementos pertencentes ao meio abiótico, abrangendo os aspectos geológicos, geomorfológicos, hidrológicos e toda estrutura, sistema e dinâmicas que os envolvem (GRAY, 2004). Embora exista uma enorme diversidade de ocorrência dos elementos abióticos, destaca-se a ampla gama da geodiversidade fluvial, uma vez que não há um rio igual ao outro (OLLERO, 2017). Como exemplar da diversidade geomorfológica, o ambiente fluvial pode apresentar uma imensa variabilidade de elementos de interesse - tipologia do leito, morfologia do canal, evidência de paleoníveis, etc. - muitos deles dotados de valor científico, seja por sua raridade, exemplaridade ou por seu interesse paleogeográfico. A geodiversidade e geopatrimônio fluvial envolvem as formas e a dinâmica dos processos fluviais, sendo que essa perspectiva supera a visão de recursos que são associados aos rios, e a geoconservação deste patrimônio e da diversidade fluvial é uma forma de reconhecimento e equilíbrio das funções e das dinâmicas naturais e sociais (OLIVEIRA, 2020). Dada a intrínseca relação entre as sociedades humanas e os rios, destaca-se o valor cultural que estes elementos possuem. Geomorfossítios são formas de relevo com valores de patrimônio, como cênicos, culturais e, principalmente, valores científicos (PANIZZA, 2001); quando ligados ao ambiente fluvial, estão associados às formas originadas pela dinâmica fluvial. Ainda que os elementos da rede fluvial geralmente não possuam tantos atributos estéticos, eles carregam uma importância científica, como os processos erosivos, transporte e sedimentação (OLLERO, 2017). Ollero (2017) ainda destaca que o diferencial do geopatrimônio fluvial são as mudanças contínuas no espaço e no tempo, pois consiste em uma dinâmica ativa e rápida em relação a outros sistemas naturais. No aspecto dinâmico, os sistemas fluviais possuem alta intensidade, o que afeta as dimensões longitudinais, transversais e verticais em razão dos processos ativos contínuos (FERRER et al., 2006). O que pode ser atribuído à diversidade e à complexidade dos sistemas fluviais. Dado a diversidade de elementos e amplitude de escalas, o geopatrimônio fluvial possui uma complexidade geomorfológica e paisagística. Nessa perspectiva, o Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul (GCCS) abriga um patrimônio importante no contexto brasileiro que recebeu a chancela da UNESCO em 2022, sendo atualmente um Geoparque Mundial. O GCCS possui 30 geossítios oficiais, sendo que 23 sítios têm nas formas de relevo o seu principal valor, ou seja, são geomorfossítios. O GCCS possui uma variedade de ambientes, formas e processos por abranger cinco unidades geomorfológicas. Desta maneira, tem um potencialidade particular para o patrimônio geomorfológico. Figura 1: Localização do GCCS e suas unidades geomorfológicas. O objetivo deste trabalho é apresentar geomorfossítios que representam as potencialidades do geopatrimônio fluvial do Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul.

Material e métodos

As unidades geomorfológicas, enquanto compartimentos que possuem formas representativas dos seus processos originários (IBGE, 2009), são a base para a seleção dos sítios fluviais deste trabalho. Há cinco unidades (Figura 1) neste território: Planalto dos Campos Gerais, Escarpa da Serra Geral, Patamares da Serra Geral, Planície Colúvio-Aluvionar e Planície Litorânea (SANTA CATARINA, 1986). A Planície Colúvio-Aluvionar é a principal unidade para os sítios fluviais por ter maior influência dos processos fluviais, esta unidade é adjacente a Escarpa da Serra Geral, o que lhe confere uma particularidade por estar em contato com o desnível de aproximadamente 1.000 m da escarpa. A unidade da Escarpa da Serra Geral é a borda do Planalto dos Campos Gerais, onde se situam os cânions desta região e estão a maioria das nascentes dos rios que chegam na Planície Colúvio- Aluvionar. Para este trabalho foram selecionados dois sítios na unidade Planície Colúvio- Aluvionar do GCCS, para isso foram realizadas análises de ortofotomosaicos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina (SDS/SC), provenientes do levantamento aerofotogramétrico do estado no período de 2010-2013, bem como a série temporal de imagens do Google Earth Pro do período de 2003 a 2020. As referências bibliográficas sobre o território do GCCS, os ortofotomosaicos e as imagens foram importantes na identificação dos potenciais sítios fluviais, como morfologias de canal, barras e ilhas fluviais, meandros e terraços. Ainda foram realizados trabalhos de campo para reconhecimento in loco dos sítios. As formas identificadas como geomorfossítios fluviais foram primeiramente apontadas por Valdati (2000) e Santos (2021). Os terraços fluviais foram mapeados por Valdati (2000) na perspectiva dos riscos da bacia hidrográfica do Rio da Pedra, enquanto os mapas de Santos (2021) foram elaborados para a representação do geopatrimônio com a aplicação da cartografia geomorfológica e legenda específica em escala de detalhe. Esses documentos geocientíficos foram base na compreensão dos elementos que compõem os geomorfossítios fluviais e seus valores patrimoniais no contexto do GCCS.

Resultado e discussão

Os dois geomorfossítios selecionados são os terraços fluviais dos rios da Pedra e Pai José e o canal entrelaçado do rio Seco. Estes sítios correspondem a feições fluviais na planície colúvio-aluvionar e representam a dinâmica fluvial pretérita e atual desta unidade geomorfológica. Estes rios pertencem à bacia hidrográfica do rio Araranguá, os terraços se situam no município de Jacinto Machado e os canais entrelaçados em Morro Grande, ambos na porção catarinense do geoparque. A escala e a dinâmica são fatores importantes para os sítios geomorfológicos. Embora os autores se refiram a escala espacial, Coratza e Hobléa (2018) mencionam a escala temporal. A escala espacial e, especialmente, a temporal são fundamentais nos sítios fluviais, dado a sua dinâmica que envolve processos ativos (FERRER et al., 2006). Nesse sentido, a série temporal de imagens Google auxiliou na percepção das mudanças ocorridas nessa unidade, em especial nos canais fluviais ativos e sua alteração em um curto período de tempo. Tratando-se de ambientes dinâmicos, considerar a escala temporal é necessário para evidenciar que os sítios podem ser autodestrutivos. Como afirma Reynard (2009), o processo ativo é uma especificidade dos geomorfossítios, bem como é a sua vulnerabilidade, dado que os processos ativos levam à autodestruição natural das feições e de outros processos atuantes. Os mapas nesse contexto se tornam registros das dinâmicas e alteração das formas, bem como dos sítios autodestrutivos. 3.1 Geomorfossítio dos terraços fluviais do Rio da Pedra e Rio Pai José Os terraços fluviais foram considerados como um sítio da unidade Planície Colúvio-aluvionar por testemunhar a dinâmica fluvial pretérita dessa região. Assim, essas feições possuem grande importância na reconstrução da história evolutiva da paisagem. O geomorfossítio engloba os terraços do rio da Pedra e do rio Pai José (Figura 2), rios que entalham o cânion Fortaleza e o cânion da Pedra, respectivamente, e que são geossítios do GCCS de relevância internacional. Esses terraços fluviais se apresentam em formas aplainadas que se prolongam na direção dos rios, sendo mais elevadas em relação à planície aluvial atual (Figura 2C e 2D). Ainda estão alinhados nas margens opostas dos vales dos rios Pai José e Pedra. Neste sítio estão presentes lóbulos, que são microfeições nos depósitos fluviais associadas aos leques aluviais (PONTELLI, 1998). Destaca-se que os terraços fluviais e os lóbulos são feições pertencentes ao sistema de leques aluviais que se encontram justapostos à escarpa da Serra Geral entre o sul de Santa Catarina e nordeste do Rio Grande do Sul. Os terraços fluviais dessa unidade se mantêm em razão dos canais confinados no ápice do leque (PONTELLI, 1998), no caso deste sítios, os canais à montante estão confinados nos cânions. Observa-se ocupações humanas e atividades agrícolas nos limites do sítio, como rizicultura e fruticulturas. Valdati (2000) destaca que os terraços, mas principalmente os lóbulos foram alterados por esses usos. Assim, além da dinâmica dos processos atuantes, neste caso ocorrem duas maneiras de alteração e destruição das formas, por ações antrópicas e naturais. Figura 2: Terraços fluviais do Rio da Pedra e Rio Pai José 3.2 Geomorfossítio do canal entrelaçado do Rio Seco O rio Seco é composto por canais fluviais entrelaçados, tipologia associada à ocorrência do forte desnível entre as unidades geomorfológicas da Escarpa da Serra Geral e da Planície Colúvio-aluvionar. O rio Seco é formado pela confluência de rios provenientes da escarpa e, assim como o geomorfossítio dos terraços fluviais, está em ambiente de leques aluviais. Um segmento de aproximadamente 3,8 km foi delimitado como geomorfossítio, onde se encontram canais ativos e inativos, ilhas fluviais e depósitos aluviais (rudáceos) (Figura 3). A formação de barras e ilhas fluviais dividem o rio Seco em múltiplos canais, o que é típico da dinâmica da morfologia entrelaçada, assim como os sedimentos grosseiros. Tais sedimentos indicam a capacidade e competência deste rio (Figura 3E e 3F). Além de representar a dinâmica e as feições observadas nesta unidade, este sítio também tem caráter autodestrutivo. Sendo um exemplar dos processos ativos autodestruindo o canal e alterando-os em entre canais ativos e inativos. Figura 3: Canal entrelaçado do Rio Seco. Dentre os geossítios oficiais, como mencionado, poucos têm o principal aspecto relacionado ao fluvial. Pode-se citar os cânions da Pedra, Itaimbezinho, Fortaleza que, além do processo fluvial, compreendem os aspectos litológicos estruturais e processos gravitacionais fundamentais para a evolução da forma. Além dos cânions, os geossítios que envolvem rios são cachoeiras, como a do Bizungo, da Cortina e da Onça. Ainda é válido citar que dentre os geossítios de interesse geomorfológico oficiais, bem como entre aqueles elencados por Lima e Vargas (2018) e Godoy, Binotto e Wildner (2011), apenas o rio do Boi localiza na unidade da Planície Colúvio-aluvionar. A maioria se localiza na Escarpa e nos Patamares da Serra Geral, sendo um na Planície Litorânea.

Figura 1

Localização do GCCS e suas unidades geomorfológicas

Figura 2

Terraços fluviais do Rio da Pedra e Rio Pai José

Figura 3

Canal entrelaçado do Rio Seco

Considerações Finais

O GCCS se compartimenta e se destaca pelo relevo, a paisagem assim como os geossítios do geoparque enfatizam que o geopatrimônio deste território é essencialmente geomorfológico. O contraste das unidades e dos ambientes do geoparque ainda revelam possibilidades de geomorfossítios de diferentes aspectos, a diversidade do relevo deste território também reflete na variedade fluvial, o que ainda é pouco explorada nesta região. Os dois sítios apresentados neste trabalho são exemplos da dinâmica fluvial atual e pretérita, desta maneira, demonstrando o potencial de sítios fluviais e hidrológicos, sobretudo pelo seu valor científico. Ressalta-se os canais entrelaçados, como do rio Seco, este tipo de morfologia exige condições singulares para se desenvolver em áreas úmidas. Com novos estudos e reconhecimento em campo, ainda podem ser encontrados outros sítios fluviais de variadas formas e escalas espaciais e temporais em cada unidade geomorfológica. O resgate de imagens históricas, o acompanhamento contínuo por imagens aéreas e os trabalhos de campo nessas áreas são importantes em virtude da dinâmica ativa, sendo um processo para compreender a dinâmica dos sítios e seu valor patrimonial.

Agradecimentos

Agradecimentos ao Conselho Nacional de Apoio Científico e Tecnológico - CNPq.

Referências

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